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O Brasil pós-Constituição de 1988: avanço ou retrocesso?
14 de maio, 2023A promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, foi festejada como um marco após a redemocratização do Brasil e considerada uma das […]
A promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, foi festejada como um marco após a redemocratização do Brasil e considerada uma das mais modernas do mundo, com a adoção de garantias e direitos sociais e individuais importantes. Em que pesem os avanços trazidos com a nova Carta Magna, passados 34 anos é saudável nos perguntarmos o que aconteceu com o Brasil nesse período pós-Constituição Cidadã.
Sem se atribuir toda a responsabilidade à nova Constituição, é fato que o país mergulhou em vários erros que até hoje lhe custam a retomada do desenvolvimento e a oferta de melhores condições de vida aos cidadãos brasileiros. Três décadas depois, há distorções graves a serem corrigidas.
Uma delas é o instituto do foro por prerrogativa de função, criado de forma bem-intencionada para proteger o julgamento de autoridades de cargos específicos e evitar decisões arbitrárias, mas que se transformou em um manto de impunidade. Foi ampliado de forma irresponsável, atingindo em 2017 a marca de 54.990 pessoas beneficiadas, de acordo com a revista Exame.
Trata-se de número sem similar no mundo. O foro privilegiado não existe, por exemplo, em países como Estados Unidos, Suécia e México e na França é limitada ao presidente. No Brasil, nasceu durante a Monarquia, porém agora parece que o país, uma República Federativa, possui quase 55.000 monarcas. O ideal seria assistirmos a uma drástica redução deste número para que se adeque aos padrões mundiais. No entanto, a persistir o foro privilegiado tão amplo torna-se imperioso alterar a legislação de forma a tornar imprescritíveis os crimes praticados contra a administração pública.
Outro grave problema é o aumento da carga tributária. Em 1964, a carga tributária nacional correspondia a 17,02% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 1987, já correspondia a 22,43%. Subiu para 28,10% em 1994 e, em 2022, alcançou um terço (33,91%) do PIB. É a 13º maior carga tributária do mundo, superando a de países como China, Japão e Coréia do Sul e a média das nações da América Latina. O pior é que, apesar de cobrar muito, o Brasil devolve pouco à população: é apenas o 30º do mundo na prestação de serviços aos cidadãos. Além disso, remunera pessimamente os profissionais das áreas de Educação, Saúde e Segurança Pública.
Tampouco a emenda constitucional da reeleição foi benéfica para o país. A possibilidade de reeleição para cargos executivos já se mostrou um erro porque o governante começa a fazer planos para a reeleição logo no primeiro dia de seu mandato. Os governos ideológicos ou pragmáticos deram lugar aos governos de cooptação para garantir um segundo mandato, usando e abusando da troca de cargos e concessão de benesses.
Na economia o país também não evoluiu nesses últimos 34 anos. Para efeito comparativo, de 1956 a 1961, a taxa média de crescimento anual do PIB foi de 8,06%. No período de 30 anos anteriores à CF, de 1956 até 1988, a taxa média foi de 6,39%. Após 1988, o ano da promulgação da nova Constituição, esse número jamais voltou a ser alcançado. Pelo contrário, desabou. Nos últimos 34 anos (de 1989 a 2022), não obstante o enorme aumento da carga tributária, o PIB brasileiro cresceu, em média, apenas 2,08%. Foi ainda menor, de 1,06%, nos últimos 12 anos, e pouco reagiu no quadriênio 2018-2022, quando ficou em 1,15% ao ano.
O Brasil também vem apresentando números sofríveis no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pela ONU a partir de fatores como os níveis de educação (alfabetização e taxas de matrículas), longevidade e renda (PIB per capita). De 1989 até 1990 o país ocupou a 77ª posição no ranking de IDH e em 2022 caiu para a 87ª colocação.
Por justiça, não se pode atribuir todas as mazelas nacionais à Constituição Federal de 1988, porém os indicadores evidenciam que a situação nacional se degradou nessas pouco mais de três décadas. O retrato do Brasil hoje mostra uma nação socialmente injusta, regionalmente desigual e muito próxima das capitanias hereditárias da época do Brasil Colônia.
O Brasil precisa sepultar de vez velhas práticas se deseja retomar o desenvolvimento e ser uma nação muito melhor para os brasileiros. Para isso, é fundamental trocar mentiras, promessas e corrupção por verdades, transparência e honestidade. O humorista, escritor e dramaturgo Millôr Fernandes (1923-2012) avisou: “As pessoas que falam muito mentem sempre porque acabam esgotando seu estoque de verdades”. Faz tempo, mas continua atual.
Samuel Hanan, engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia