POLÍTICA

ONG que recebeu R$ 3 milhões em emendas para dar curso de capacitação foi contratada para show de forró, em RR

15 de janeiro, 2025 | Por: Agência O Globo

Ibras foi alvo de investigação do TCE no passado por supostas ‘irregularidades’ relacionadas ao pagamento de serviços

Contratada com repasses de emendas de bancada para a oferta de cursos de capacitação de mulheres, a ONG Instituto Brasileiro de Cidadania e Ação Social (Ibras) participou da organização de um show de forró em Boa Vista (RR), em 2023. A apresentação virou alvo do Tribunal de Contas do estado por suspeitas de irregularidades de um contrato no valor de R$ 17 milhões. Na época, a Corte determinou o bloqueio das contas da administradora da entidade, Bruna Antony Oliveira, e do então secretário estadual de Agricultura, Márcio Grangeiro. A informação foi revelada pelo portal de notícias Metrópoles e confirmada pelo Globo.

O ministro Flávio Dino, durante sessão do STF
O ministro Flávio Dino, durante sessão do STF — Foto: Gustavo Moreno/STF/06-11-2024

Em outubro de 2023, o instituto venceu uma licitação pública para participar da organização da 42ª Exposição-Feira Agropecuária de Roraima (Expoferr). O evento foi realizado no mês seguinte no Parque de Exposição Dandãezinho, na zona rural da capital, e contou com apresentações dos cantores de forró Wesley Safadão e Dorgival. O pagamento pelos serviços prestados, no entanto, passou a ser investigado pelo TCE por suspeitas de “falta de transparência” na firmação de um contrato que determinava repasses de R$ 17 milhões ao Ibras.

Na época, o TCE emitiu uma medida cautelar para o bloqueio de mais R$ 8,4 milhões em bens do secretário estadual de Agricultura Márcio Grangeiro e de Bruna Antony de Oliveira, presidente do Ibras. Na decisão, emitida pela conselheira Cilene Salomão, também foi destacado que Bruna havia atuado como servidora da Assembleia Legislativa de Roraima entre janeiro e março de 2023, com salário mensal de R$ 3 mil, e recebido, ao todo, R$ 25 milhões para participação tanto da Expofeer quanto do São João do Anauá, festa junina tradicional na cidade.

Além disso, a conselheira afirmou que existia um “indício de irregularidade” na constituição do Ibras, ao ser constatado que a ONG chegou a possuir dois CNPJs, seria composta por membros de uma mesma família e estaria localizada em um estúdio de fisioterapia, judô e pilates no bairro dos Estados, na zona norte da capital.

No início de 2024, o TCE converteu a medida cautelar de bloqueio dos bens em um pedido de Tomada de Contas Especial direcionado ao governador Antonio Denarium e o ex-secretário Márcio Granjeiro. Além disso, foram atuadas a responsável por assumir a pasta com a saída de Grangeiro, Angelita Vogel, a fiscal do contrato, Nayara Benitez, e uma empresa identificada como Brasil Shows e Eventos Eireli (EPP).

A Corte também afirmou que passaram a ser apurados indícios de irregularidades no valor de mais de R$ 3,3 milhões referentes “à liquidação e pagamento supostamente em duplicidade e por serviços não executados durante o evento”. A principal hipótese é de que verba destinada a Expofeer foi paga para a Brasil Shows e Eventos, mesmo havendo indicações de que os serviços foram executados pelo Ibras.

Em nota, a ONG afirmou que participou “de um chamamento público realizado pelo Governo do Estado de Roraima, onde submeteu um plano de trabalho que foi aprovado pelo poder público”. Ainda de acordo com a organização, o Ibras não é uma empresa, sendo “uma instituição privada qualificada como organização da sociedade civil”. Os valores previamente bloqueados pelo TCE foram integralmente liberados, segundo a entidade.

Repasses de emendas parlamentares para a capacitação de mulheres

No início deste ano, o Ibras também se tornou alvo de uma decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a suspensão de repasses de emendas parlamentares a ONGs que não eram transparentes em relação ao uso dos recursos. A determinação veio após a emissão de um relatório da Controladoria-Geral da União, que afirmava apenas que 15% das 26 organizações mais beneficiadas pelas transferências atendiam os critérios exigidos.

O Ibras aparece entre as entidades afetadas pela decisão. O instituto foi beneficiado no ano passado pelo pagamento de quase R$ 3 milhões que teriam sido usados para o financiamento de um programa de capacitação de mulheres.

Denominado “Mulheres que transformam”, o projeto ofereceria qualificação teórica e treinamento prático para mulheres a partir de 16 anos, no município de Palmas (TO). As oficinas seriam focadas em temas como empreendedorismo social, inteligência emocional, desenvolvimento pessoal e técnicas de beleza e maquiagem, com foco prioritário em mulheres vítimas de violência ou em situação de vulnerabilidade social, segundo informações disponíveis no site da entidade. A verba, considerada sem transparência por Dino, teria sido encaminhada por membros da bancada do Tocantins no Congresso Nacional.

Com o bloqueio dos repasses, a entidade afirmou em nota que a falta de transparência alegada pela CGU teria sido provocada por um erro na ferramenta de buscas do Google. Em um comunicado encaminhado ao GLOBO, a ONG alega ter passado recentemente por mudanças institucionais, que incluiriam a troca do site usado pela instituição, que passaria a incluir os detalhamentos exigidos sobre o uso da verba.

“Devido a um erro de indexação da ferramenta de buscas da empresa Google, amplamente utilizada no mercado, o antigo sítio eletrônico permaneceu ativo como o primeiro resultado nas pesquisas realizadas com o nome do Instituto Brasileiro de Cidadania e Ação Social, enquanto o site atualizado era exibido em posições inferiores”, alega a nota.

A entidade afirma que o relatório da AGU não reconheceu a falha técnica, levando em consideração apenas a versão desatualizada do site. A ONG também alega que o erro já foi resolvido.


BS20250115164326.1 – https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/01/15/ong-que-recebeu-r-3-milhoes-em-emendas-para-dar-curso-de-capacitacao-foi-contratada-para-show-de-forro-em-rr.ghtml

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