COLUNAS

Os mares do Japão

17 de março, 2025 | Por: autora

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…

A mãe de criança pequena – fim de semana sim outro não – quando menos espera, está sentada em uma mesa de plástico no térreo de um prédio onde nunca esteve antes, ouvindo caixa de som estourada, grito de criança e de monitor (que costuma ser mais insistente e estridente do que o da criança), segurando um balão que vai pipocar, embora numa tentativa dedicada para que não estoure, com a sola de sapato preguenta de brigadeiro e talvez a outra mão também preguenta por segurar um brigadeiro reservado que pode virar o próximo brigadeiro pisado, conversando com uma outra mãe na mesma circunstância nunca antes vista, e com quem provavelmente não se tem nada em comum além do aniversariante da vez, por assim, umas duas ou três horas de um sábado à tarde ou até que alguém resolva cantar parabéns. Se a mãe tiver mais de um filho, talvez a cena se dê todos os fins de semana.

Pois que uma vez eu estava neste tipo de sabado e minha interlocutora desconhecida me confessou uma angústia. O filho dela, que devia ter uns 6 anos, como tinha a minha mais velha à época, lhe dizia todos os dias na hora de dormir que tinha vindo “dos mares do Japão”. Descrevia em detalhes a travessia feita a barco e como eram enormes as ondas, o que vestiam, o que estavam com ele, como era a moça que o carregou nos braços até ela, o porto, os temporais, as músicas que ouviram no caminho. “Eu sonho com isso, mas sei que não é sonho, mãe”, ele dizia. Aquilo me impressionou horrores. Nunca esqueci.

De forma diferente, a minha mãe também tem um certo fascínio pelo Japão. Sonhou por muito tempo com uma viagem. Mais de uma vez, estudou possibilidades de roteiros, organizou a buscou os melhores voos, os hoteis que fariam sentido, as cidades que gostaria de visitar, os parques, os templos. Resolveu ir em 2019, partiria no primeiro semestre de 2020. Não sabia que na data do embarque viveríamos o auge da COVID 19. Não foi. De lá pra cá, o Japão dela, parecia um pouco com o do filho da moça do aniversário. Um Japão pouco palpável, talvez até, um Japão de uma outra vida.

Quando penso nas festinhas que descrevi há pouco também tenho essa sensação de outra vida. Minhas filhas são outras, as festas são outras, as travessias e as ondas são outras. Ser mãe de filhas adultas é quase que uma outra categoria de maternidade. Assim como ser filha adulta é também quase uma outra relação, embora seja tão a mesma. No próximo sábado, embarcaremos minha mãe, minha irmã e eu, para Tóquio. O objetivo da viagem é vê-la feliz no próprio sonho. Levo comigo o menino e o sonho dele e a moça que o carregou no colo em meio às ondas gigantes. Tô numa sensação danada de que estarei bem acompanhada. Na volta, conto como foi. Beijo grande, queridos. Até lá.

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…

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