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Rayito de sol

10 de julho, 2023

– Oi. – Oi. – E aí?  – Tudo bom? – Tudo bem, e você? – Tudo bem também. – É sua casa nova? – […]

Rayito de sol

– Oi.

– Oi.

– E aí? 

– Tudo bom?

– Tudo bem, e você?

– Tudo bem também.

– É sua casa nova?

– É. Casa diferente.

Podia ser um diálogo qualquer. Mas no tom dos que falavam havia uma falta de intimidade digna de nota. A falta de intimidade dos que já foram íntimos. Talvez, de todas, a mais comovente. De um lado do telefonema a repórter, do outro o personagem da reportagem. Era uma entrevista como são muitas das que ouvimos, quem perguntava já sabia da resposta. E perguntava para ajudar a história a ser mais bem contada. Mas nesse caso específico a repórter era também personagem. A conversa se deu em um podcast que escuto toda semana. Depois dos cumprimentos, seguiu um relato ótimo e tudo mais, mas o que me interessou de verdade foi a reconquista do ritmo, do vocabulário, do riso, da graça e sobretudo do azeitar da dupla que foram conquistando na medida em que o programa se desenvolvia.

Lembrei de contar do podcast pra vocês porque experimentei essa sensação do reazeitar-se esse fim de semana. Encontrei meus primos, os filhos de meus primos, meus sobrinhos, minha irmã e os respectivos em um hotel perto da casa de minha mãe. A gente sempre volta pra casa de minha mãe nas férias, a gente sempre encontra todo mundo. Mas esse dormir e acordar juntos, café da manhã, almoço e jantar, passar protetor nas crianças dos outros, essas horas de conversa debaixo de sol reazeitam de um jeito. 

Chegamos no “oi, e aí?”. E saímos nos abraços longos, reabastecidos com as mil versões que cultivamos das mesmas histórias. No podcast, a dupla tinha sido um casal. Algum dos dois guardou os áudios trocados durante a cena que relataram. Fiquei enternecida ao ouví-los no passado. Os apelidos que dirigem um para o outro, as referências para “aquela ruinha que a gente passeia a Lupe”, as peculiaridades. No último áudio escapa até um amor antes da vírgula. O mais bonito de tudo foi quando descrevem o estado em que um deles estava ao fim da história. Um diz “radiante” e o outro repete “radiante”, pra finalmente dizer juntos a mesma palavra, na mesmíssima cadência. Tão diferente dos oi fininhos que iniciaram o encontro.

Na minha fantasia, a lembrança tomou o lugar de alguma pendência ou desconforto que pode ter sobrado entre os dois. Fiquei imaginando a dupla, no sábado seguinte, tomando um solzinho na varanda da casa nova, quem sabe até com os atuais respectivos. Fiquei imaginando as muitas versões para as histórias velhas. Eles, como os meus primos e eu, radiantes. Tomara. Boa semana, queridos.

 

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quemmandaaquisoueu – Verdadesinconfessàveissobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…

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