BRASIL
Registro de eleitores com deficiência bate recorde, mas acessibilidade ainda é desafio
10 de setembro, 2024 / Por: Agência O GloboCom cerca de 1,4 milhão de PCDs aptas a votar neste ano, preocupações com dificuldade de acesso e despreparo de mesários ressurgem
Há 20 anos, quando o Brasil foi às urnas escolher novos prefeitos e vereadores nas eleições municipais de 2004, Geraldo Nogueira, com 46 anos na época, pegou o caminho de volta para casa antes mesmo que pudesse entrar no local onde votava, em Copacabana, na Zona Sul do Rio. Repleta de lances de escada, a zona eleitoral oferecia obstáculos intransponíveis para a sua cadeira de rodas.
— Voltei para casa sem votar — conta o carioca que hoje é responsável pelo Diretório da Pessoa Com Deficiência da OAB-RJ.
Neste ano, o país alcançou a maior marca de pessoas com deficiência (PCDs) aptas a votar: são mais de 1,4 milhão de eleitores, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número, que é 25% maior do que o do último pleito municipal, em 2020, joga luz na problemática da acessibilidade, já conhecida e vivida por Nogueira e tantas outras PCDs.
Geraldo Nogueira, responsável pelo Diretório da Pessoa Com Deficiência da OAB-RJ, avalia que falta capacitação aos mesários — Foto: Divulgação
Geraldo Nogueira, responsável pelo Diretório da Pessoa Com Deficiência da OAB-RJ, avalia que falta capacitação aos mesários — Foto: Divulgação
Dados do TSE mostram que cerca de 470 mil eleitores declararam ter deficiência de locomoção. Segundo a Corte Eleitoral, para esse grupo haverá 180.191 seções com acessibilidade em todo o país. Mas não é só isso. Pessoas com deficiência também se queixam do despreparo de alguns mesários para lidar com a situação, diz o representante da OAB-RJ, que toda eleição recebe denúncias sobre a falta de direcionamento adequado nas seções.
— Falta de capacitação dos mesários para conseguir atender às especificidades desse segmento — conta Nogueira. — Alguns informam que (o eleitor) poderia pedir a dispensa e tudo mais.
Informações incompletas
Há queixas ainda sobre a Transferência Temporária de Eleitor (TTE), ferramenta do TSE que permite ao usuário escolher outro local de votação. O problema é que o serviço não informa se as zonas eleitorais têm ou não barreiras que impeçam o acesso de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida às urnas.
— Das vezes que tive que trocar o meu local de voto, eu sempre era obrigado a fazer uma visita prévia para não ser surpreendido — comentou Nogueira.
De acordo com a resolução 21.920 art. 1º, PCDs são obrigadas a votar, mas podem pedir a dispensa por razões como falta de acessibilidade. Assim, o pleito acaba se tornando facultativo, e a opção vira a orientação dada por mesários quando algum impedimento ocorre na hora da votação.
No pleito de 2022, 36% do eleitorado com deficiência no Brasil não compareceram às urnas, segundo o TSE. Na população geral, essa parcela chegou a 20,93%. No recorte por estado, o Paraná teve o maior número de abstenções de eleitores com dificuldade de locomoção (45,7%). No Rio, o índice foi de 40,7%. Em relação aos votantes com deficiência visual, Roraima lidera o ranking com 42,5% de abstenções, seguido pelo Pará (42,5%) e Amapá (43%).
— Existe um número alto de abstenção porque, além da dificuldade diária imposta pela deficiência, a pessoa tem receio de ir até a zona eleitoral e ser constrangida por não ser recebida adequadamente, seja por um lugar acessível para cadeira de rodas ou por algum intérprete de libras — comentou Lucas Dantas, especialista em Direito PCD.
Deficientes visuais e auditivos representam, neste ano, 26% do eleitorado brasileiro com deficiência, segundo o TSE. A Corte diz que o segmento poderá contar com recursos de acessibilidade da urna eletrônica, como a voz sintetizada “Letícia”, que estreia nesta eleição para dar mais autonomia e preservação total do sigilo do voto.
(*estagiária sob supervisão de Luã Marinatto)