
Assim de cabeça
1 de setembro, 2025 | Por: Roberta D’AlbuquerqueRoberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…
Me mudo sexta agora. Acabei de voltar do apartamento novo. Lá as mudanças podem acontecer até o meio dia de segunda a sexta. Ótimo se aqui no velho mudanças fossem permitidas em algum outro horário que não a partir do meio também de segunda a sexta. Sr. Wellington, do carreto, respondeu que “nem pensar que não fica com os móveis dos outros por 24 horas dentro do caminhão “. Errado não tá. Mas, gente!?
Aí tem a pintura. A daqui tava marcada pra começar essa semana, só que a minha mais nova tem rinite e eu achei que seria meio caos pintar com os móveis (e a gente) ainda no meio do caminho. Aí a mais velha me lembrou que entregamos o apartamento dia 8 e tem que tá branco da Silva até lá. Na verdade isso eu já sabia. O que ela me lembrou mesmo é que esse plano de deixar o sábado e o domingo para a pintura pode ter sido aprovado pelo pintor porque esqueci de comentar que a sala é cor de rosa, o quarto dela é verde, o meu é cinza e o da Sô (espirrando aqui do meu lado agorinha mesmo) é preto. Fiz o comentário. Ele respondeu que “nem pensar um fim de semana só, amanhã chego aí”. Isso era ontem.
Corri pra comprar as tintas hoje cedo. O cara do depósito foi contra, mas não resisti a etiqueta de promoção de uma tinta cuja marca era “Tinta” e tinha o branco acetinado solúvel em água que me foi encomendado pelo proprietário do apartamento, uma sorte danada. Custava metade do galão da Coral. Sr. Adailton disse que “nem pensar que essa desgraça não cobre nem branco, quem dirá esse arco-íris todo”. Voltei ao depósito e o moço argumentou que tinha me avisado e no mais “tinta não se troca”. Podia ter puxado o código de defesa do consumidor? Ô se podia. “Mas puxei minha cara de gatinho do Shrek e joguei décadas de feminismo no lixo (mentira, joguei nada, deixei assim meio de ladinho) eu um “ai, puxa vida, como eu sou atrapalhada, agora lá vou eu ter que comprar tudo de novo, ai, mil vezes ai, bem que o senhor me avisou”. O moço disse que “nem pensar que me deixaria assim na mão, que é isso”. Trocou.
E não contei que a reforma lá não tá pronta ainda e talvez não fique até sexta. E não posso nem pensar nesse assunto. Socorro Deus. Socorro Deus. Até desejaria boa semana pra vocês, mas os desejos estão em alguma caixa que já nem me lembro qual é junto com as panelas, ou talvez com os cabides. Será que naquela dos álbuns de fotografia? Sei não. Se virem aí. Segunda-feira conto como foi.
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25 de agosto de 2025
Bernarda levou um bolo (levou ou tomou?)
Aqui pensando sobre a diferença entre “dar conta de” e “tomar conta de”. Foi numa conversa que ouvi no elevador ontem a noite. A vizinha pediu desculpas a alguém do outro lado da linha dizendo que faltou ao compromisso que tinham marcado porque precisou “dar conta” dos netos durante o fim de semana. Aquilo me entrou meio tortinho no ouvido. Vê, já conversei com essa vizinha outras vezes. São 2 netos, um de uma filha e um de outra, ambos têm uma carinha de 10, 11 anos. As filhas moram aqui no bairro, já as encontrei também. Vez ou outra, deixam os meninos pra curtir a companhia e o bolo de cenoura da avó que, me disseram, é o melhor do Brasil. Bonitinhos.
As crianças são falantes e passeadeiras, já cruzei os 3 no cinema, na padaria, no supermercado e na rua. As filhas e os maridos também parecem queridos e estão meio que sempre por aqui pela casa da dona Olga. Olha eu expondo a família da vizinha. Mas mudei o nome, juro, acho Olga bem avó chique, como ela é. Faço isso pra gente pensar juntos nessa coisinha que tem dentro da gente que nos põe responsáveis pelo que muitas vezes não é responsabilidade nossa. Dona Olga, pelo menos aparentemente, não precisa dar conta dos netos. Precisa tomar conta deles. E me parece que o faz com gosto.
Quando ela deixa de ir ao compromisso que tinha estabelecido com a amiga (e a essa vou dar o nome certo, porque se chamava Bernarda e dona Olga é carioca, então tive o gosto de ouvir seus Rs charmosos várias vezes do térreo até o sétimo andar) para “dar conta” dos netos, ela se retira do papel de corresponsável para dar a si 100% da responsabilidade. Se ela não tivesse ido pra “tomar conta” deles, seria diferente. “Ah, Roberta, larga de ser chata, é só uma expressão. E depois vai que ela estava dando uma desculpa por ter perdido a vontade de ver Bernarda?”.
Não, claro. Pode ser. Vai que o passeio de Bernarda perdeu a graça diante do melhor bolinho de cenoura do Brasil ouvindo as fofocas da netalhada. Não tem problema nenhum, inclusive entendo. O problema está no “é só uma expressão”. Quando a gente fala, nunca fala um “é só”. As palavras que a gente escolhe dizem sobre o que se sente e pensa, sabe? Claro que vocês sabem, estou só lembrando. Lembrando e nos convidando, eu e você, (isso é difícil que só pra mim também) a abrir mão dessa posição de “vem que eu dou conta de qualquer coisa”. A gente pode até tomar conta aqui e ali de algo que não é responsabilidade nossa. Mas não precisa matar tudo no peito não, né? Sei lá, pensando em assar um bolinho pra mim hoje, vou interfonar pra pedir a receita a dona Olga. Boa semana, queridos.
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18 de agosto de 2025
Para observar nuvens
Vamos mudar, as meninas e eu, agora no final de agosto. A coisa toda fica entre uma alegria e uma vontade de escapar do mundo adulto (que dá mais trabalho do que fazer mudança). A maior das alegrias é a reforminha que inventamos. “Nada demais” dizíamos umas para as outras quando a idéia apareceu. A gente troca só os revestimentos da cozinha, dos banheiros e da área de serviço. A casa vai ficar como nova. E foi isso mesmo. Não derrubamos nenhuma parede, nem subimos outra. Tudo como está, só que um pouquinho diferente.
Mandei mensagem no grupo de mães da escola pra achar um pedreiro e começamos a aventura com sr. Donizetti, ponta firme total (inclusive, indico de coração tranquilo pra quem estiver aqui em São Paulo). Aí era assim, um banheiro seria cor de rosa, o outro azul claro, a cozinha amarelinha ovo e a área de serviço, branca. Tudo daquele azulejo 15x15cm mais simples do mundo. Entre nós, apelidamos o projeto de Chamequinho. Menino, de simples não tem nada, dificílimo achar esses azulejinhos. Só em cemitério de azulejo, caro que nem derrubar e subir parede. O negócio foi se adaptando. Os banheiros ficaram os dois verdinhos e a cozinha azul porque era o que tinha. Sr. Donizetti lá, cumprindo os prazos. Aí semana passada, fui visitar a obra. O verdinho que escolhi por internet e mandei entregar era tão vizinho do azul, que colocado assim na parede, deu até vontade de mergulhar e fazer ao menos duas chegadas de crawl. Piscininha.
Lembrei daquele da Laura Assis, chama-se Space Song: foi quando percebi que o azul/ esse azul/ que se descola aí de dentro/ poderia ser de outra cor/ você sentada à mesa/ não importa a fala/ outro argumento/ te entrego um objeto/ qualquer para que/ assim você/ me escute… Meu Deus, esse poema é lindo. “Esse azul que se descola aí de dentro”. Eu peço desculpas aos arquitetos e aos perfeccionistas por ter comprado online. Eu sei, eu sei. Mas quando as caixas chegaram, as abri. Na minha mão, juro que o verde era verde. Juro juradinho. Mas na parede, ele resolveu azular. Isso me impressionou de um tanto.
Como que uma coisa é uma aqui e ali, já é outra? Passo os dias nessa certeza quando escuto meus analisandos. A vida (as pessoas e as coisas) são sempre “em relação a”, não estão fechadas numa definição.Ainda assim viver o que a gente sabe às vezes dá um espanto, né? Não vou digitar o poema inteiro no desejo de que vocês se interessem e comprem o livro (Parkour, Edições Macondo, 2022), mas deixo os últimos versos pra gente seguir pensando: para observar nuvens/ é necessário encontrar/ um método e só depois disso/ seremos livres/ para sobrevoar nosso desejo/ a uma altura possível. Possível mas nunca/ nunca e isso é muito importante/ possível mas nunca/ perto demais. Boa semana, queridos.
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11 de agosto de 2025
E o mundo, eim?
Em um dos muitos trechos que grifei de meu exemplar de Luto e Melancolia, Freud escreve: “No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio.” Nem lembro se é exatamente assim, mas lembro que grifei. Pra mim essa é a definição mais exata da perda. Não só da perda de alguém querido, claro, mas de um desenho de vida, como a saída de um trabalho, por exemplo, do fim de uma relação, da perda momentânea da saúde.
Esses dias minha filha mais velha ficou doente. A princípio, era uma amigdalite, mas cresceu para uma estomatite, que seguiu com uma amigdalite Godzilla, febres altíssimas. A menina ficou sem comer, sem comer mesmo, fez 10 dias de antibiótico e antinflamatório, perdeu peso, parou de falar, não queria nem ouvir música. A menina que é de um brilho, de um barulho, de um movimento. O mundo ficou pobre e vazio.
Nem mundo tinha muito pra além da nossa casa, do termômetro, das mantinhas, dos copos de água na cabeceira da cama e da busca por alguma comida que lhe inpirasse. Do mundo de fora, soube bem pouco pelo meu namorado que esteve pertinho na tentativa de me acolher, cuidar de mim e dela. “Tu viu o que aconteceu aqui e ali, Betinha?”, “Lalá dormiu? Quer assistir o André Trigueiro entrevistando a Suely? Tá passando agora, se não conseguir eu te conto depois”.
Hoje a notícia do dia foi que ela melhorou. Comeu um ovinho no café da manhã, conversou, abriu a janela, colocou roupa de sair, mesmo que ainda esteja em casa. A notícia daqui, né? A da capa da Folha de São Paulo foi “Governo deve cobrar que setores garantam emprego em pacote contra tarifaço”; d´O Globo “Parlamentares usam emendas até para times de futebol”; do New York Times “O tecnocrata silencioso que implementa a agenda de Putin”; do Le Monde “Europeus tentam moldar a posição dos EUA sobre a Ucrânia antes da cúpula Trump-Putin; do Guardian “Aumenta a indignação global em relação aos cinco jornalistas mortos por Israel”. Um mundo que segue pobre e vazio, mas que agora volta a me despertar interesse. É de nosso interesse que Freud fala quando se refere ao luto. Fico aqui na torcida pra que sigamos interessados, bem vivos e bem grudados à vida como quero ver a minha Lalá hoje e todo dia. Saúde, queridos. E boa semana.
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4 de agosto de 2025
Tava aqui pensando
Será que quando Roberto Carlos canta “nos lençois macios, amantes se dão, travesseiros soltos, roupas pelo chão. Braços que se abraçam, bocas que murmuram palavras de amor enquanto se procuram”, ele se perguntou há quanto tempo esses lençois macios estavam na cama? Veja, pergunto porque quando eu era pequena e cantava horrores essa, eu não pensava não. Inclusive na parte dos “amantes se dão” eu dizia “a mantisidão” – que deve ser uma espécie de mansidão mantida. Acho até bonito.
Não quero aperrear ninguém não, mas li uma matéria da BBC na semana passada que contava de uma pesquisa sobre troca de lençois, o povo leva mais de mês pra desforrar o colchão, minha gente. Como é isso? E é o que respondem pra pesquisa, né? Porque quem diz um mês, facinho facinho, passa uns 3, passa não?
A gente quando levanta da cama, deixa lá deitadinhos suor, células mortas da pele, óleos corporais fora uma multidão de ácaros. Isso um dia, depois o outro e o outro. Vou nem mencionar a galerinha do lanche na cama que esses já deveriam ter aprendido há muito tempo a serem descendentes e se comportarem feito gente limpa. Tem desculpa não, lavem os lençois de vocês, pelo amor.
Agora não era nem nisso mesmo que eu estava pensando. O que eu me perguntei hoje cedo quando vi o varal do meu vizinho cheio de lençol branco foi: será que alguém aqui do bairro está dormindo de lençol limpo, incluindo meu vizinho? Usando roupa limpa? Digo, alguém da população do bairro que não tem máquina de secar. Porque olha, botou no varal, vai ficar mais sujo do que antes do sabão e do amaciante. Eu aposto com vocês que quando ele tirar esses lençois, estarão mais empoeirados que qualquer placa de trânsito do teu bairro.
É muito prédio subindo. É muito prédio subindo. Uma poeira que pega até em louça que fica pra secar no escorredor. Vocês acreditam nisso? Deixei um copo no escorredor antes de vir pro consultório e quando voltei na hora do almoço, estava empoeirado. Enquanto isso, a construtora do prédio que está sendo construído muro com muro com o meu instalou um banquinho, um calibrador de pneu de bicicleta e uma fonte de água pros pets na fachada. Eles acham que vão comprar nossa simpatia com uma besteira dessas? Bem, usei o calibrador no sábado e amei. Nossa, foi ótimo. Fiquei de bem por 2 dias. Mas o copo empoeirado já me botou de volta na realidade. Sei lá, mil coisas. Fujam para as montanhas, bebam água da fonte e lavem os lençois. Boa semana, queridos.
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27 de julho de 2025
O pior do pior
O taxista que peguei ontem, me contou que ganhou na Megasena. Concurso 2893. Os números foram 10, 40, 41, 45, 48, 50. Ele está há 10 meses solteiros, mas tem visto com uma certa frequência 5 mulheres por quem anda se afeiçoando em igual medida, ele me disse. Adivinha: Juliana 1 tem 40 anos, Amandinha (ele que colocou o diminutivo) tem 41, Carla Renata tem 45, Juliana 2 tem 48 e Bel, a do cabelo na cintura, tem 50. Foi massa, não foi? Esqueci até de perguntar se uma sabe da outra, depois ele confirmou que não. Antes de saber, tive uma vontade louca de abrir a janela e gritar em comemoração, abraçar o felizardo, acreditar na vida mais do que acordei acreditando, parar na primeira lotérica e tentar minha sorte. Só teve um probleminha de nada. É que, embora ele tenha checado o concurso 2893, o que ele jogou mesmo foi o 2892.
Pois bem, com essa história triste trago pra vocês uma lista das piores coisas que podem acontecer na vida de um cidadão além de namorar esse taxista saidinho. Puxando o porta-estandarte do terror, claro, acertar na Mega Sena no concurso errado, Sim, esqueci de dizer que o prêmio estava em R$51 milhões, R$51 milhões, repito, 51 milhões.
Número dois: entrar no banho sem a toalha, especialmente se você estiver em São Paulo. E mais especialmente ainda se você, como eu, tiver chegado dos 26° graus recifenses, Recife como se verão fosse, e o seu voo tiver atrasado um tantinho de nada ou talvez você tiver se distraído em Guarulhos olhando lojinha escolhendo um lugar pra jantar e conversando com taxista e tenha, portanto, chegado em casa depois de meia-noite num São Paulo de 14° no inverno como se inverno fosse mesmo. Entrar no banho e esquecer a toalha.
Terceiro lugar: fazer dieta em casa de adolescente de férias. Quarto: ser a mãe do adolescente de férias (não, desculpa, tô brincando – amo minhas filhas de férias ou no período escolar). Mas as mães de crianças em período de férias podem discordar de mim que não é fio não. Tá acabando já, calma.
Número 4: receber a lista de materiais do pedreiro da reforma do consultório. Ah, tem também receber o orçamento do pedreiro do consultório e quero acrescentar outra, receber a lista de documentos do aluguel do consultório. Minha gente, quase esqueço de contar. Assinei o contrato do consultório. Não disse que ia dar certo? Agora só falta ganhar na Mega (a certa, claro!). Boa semana pra vocês, pra Juliana 1, pra Amandinha, pra Carla Renata, pra Juliana 2 e pra Bel.
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21 de julho de 2025
Em tempo
Estou em Recife. Férias! Recife é aquela coisa, né. Mesmo quando chove na praia, vale a pena ter passado protetor. Mesmo quando o voo faz turbulência com sensação de queda, vale a pena ter entrado no avião. Mesmo quando o filme é ruim, vale muito ter ido ao cinema. A sessão era às 18h e esta sala abre somente nos fins de semana – 3 sessões por dia – não vende pipoca, nem Mentos, mas, juro, juro pra tu, vale. É que não é qualquer sala, é o Cinema São Luiz no cruzamento da Conde da Boa Vista com a rua da Aurora. Todo restaurado, cortina de veludo vermelho fechando a tela, vitrais na lateral, teto e paredes com decoração em alto relevo de intimidar qualquer minimalista moderninho, o painel de Lula Cardoso Ayres no hall de entrada. Olha, a coisa mais bonita do mundo.
Fui muito aos cinemas de rua do Recife quando menina. Minha tia Dulce tinha uma tradição de nos levar todo janeiro e junho. Acredite em mim, isso era muito. Nós (os sobrinhos, bem crianças) só podíamos assistir aos filmes livres, chegavam poucos títulos aqui no Brasil, coisa de um lançamento por férias mais o dos Trapalhões. Eram 2 idas ao cinema. Tia Dulce fazia valer o passeio. Saímos da casa de minha avó de ônibus, o que pra mim já era uma novidade. Eu morava no interior, era tudo pertinho, a gente andava quase sempre a pé. Ela entrava na sala na primeira sessão, logo depois do almoço e se oferecia para assistir a quantas sessões tivéssemos vontade. O mesmo filme, 2, 3, 4 vezes em um dia. Sempre achei aquilo tão especial. Não sabia dizer por que, mas sabia que não era um passeio básico.
Hoje sei, claro. Tia Dulce é um tesourinho mesmo. Pegava 6 meninas pequenas pela mão e se enfiava numa aventura dessas, depois ainda nos levava pra lanchar na Karblen do centro. É de uma disponibilidade de ouro. Ontem eu fui para o São Luiz com minhas filhas, meu namorado e meus sobrinhos. Quando a cortina vermelha abriu, lembrei do gosto do pastel de festa da Karblen. Fiquei comovida. A vida é coisa pra se festejar mesmo, não é minha gente?
Em tempo, não fechei o contrato do consultório novo. Ainda. Cá entre nós, parece que não sou tão boa de negociação quanto imaginei. Dou notícias. Boa semana, queridos.
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14 de julho de 2025
Bora, Lílian!
Vou mudar de consultório. O dono da sala onde atendo hoje ainda não sabe. Tomara que não me leia por aqui. A dona da sala nova também ainda não sabe. Mas desconfia. Já liguei, já mandei mensagem e marquei de encontrar hoje na hora do almoço. Ele se chama Ignácio, ela Lílian. Parece, não é? Dois Is, um N, um A e um acento agudo para cada. Fica por aí a parecência. Lílian, conheço pouco. Até agora sei que gosta de abreviações. Para ela segunda-feira é “2f”, 12h30 é “12,3” e a gente vai se falando é “VSF” (agora pensando, pode ter sido um xingamentozinho quando sugeri que trocasse o carpete por piso de madeira no nosso primeiro contato – sou alérgica). Sr. Ignácio ao contrário é a formalidade em pessoa. Para ele sou doutora D´Albuquerque, assina mensagem de WhatsApp com “desejos de semana próspera”, me visita uma vez ao ano para checar o estado do consultório de terno e gravata e nega o café que lhe ofereço com o argumento de que já gasto com ele o preço do aluguel, “faço questão de lhe economizar as cápsulas” (meu café é coado).
Em comum, ambos têm também a firmeza na negociação. Nenhum dos dois arreda pé de combinado. Preço de anúncio é preço de anúncio, reajuste é reajuste, pão é pão e queijo é queijo. Isso até me conhecerem. Eu gosto de gente firme. Mas gosto mais ainda de negociar. Não tem nada no mundo que me anime mais do que uma negociação. E quanto mais tinhoso for quem está do outro lado da mesa, melhor. Em minha defesa, digo que sou ótima inquilina, cuido, não atraso e venho pra ficar, pra não dar trabalho mesmo. Estou na sala do Sr. Ignácio há 5 anos. O tempo que morei nesse apartamento que também vou deixar agora no segundo semestre. E só vou sair porque gosto de trabalhar perto de casa, perto assim de chegar em 5 minutos.
Já disse, Lílian ainda não sabe, mas hoje, na hora do almoço, vou comemorar a assinatura do contrato. O aluguel será mais barato do que o da sala antiga (no anúncio está maior – bem maior) e ela vai reformar antes que eu pegue as chaves. Sim, o carpete sai. Juro pra vocês. Foi assim igualzinho com Sr. Ignácio, e olha que ele me pegou entre uma pandemia e um divórcio, autoestima de centavos. Sabe por que? Porque é o justo. Eu sei, ela sabe, Sr, Ignácio sabia. E depois, o que todo mundo tá com vontade de fazer é apertar na mão e dizer “negócio fechado”. É ou não é? Enfim, torçam por mim. Ou pela Lílian, vocês que sabem (choose your fighter). Semana que vem, eu conto. Beijos otimistas.
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7 de julho de 2025
Luz, câmera e não diga não
Perdi o sono essa madrugada e (de novo) fiz o que não se deve: peguei o telefone na mesinha de cabeceira. O algoritmo me sugeriu o vídeo de um psicólogo comentando um vídeo de um cerimonialista. Resultado, não precisou nem de 30 segundos pra eu estar mergulhada nos tules e nas flores de mil desconhecidos sobre quem nunca ouvi falar na vida. O vídeo era sobre narcisismo. Na hora de cortar o bolo da noiva, a madrinha (descrita como melhor amiga na legenda) anuncia a gravidez “roubando os holofotes da noiva”. O psicólogo gastou alguns parágrafos para descrever a síndrome do protagonismo e aquela coisa toda. Já o cerimonialista listou “do´s and don’ts” de madrinha e convidadas. Todo um mundo à parte.
Mas é todo um mundo à parte mesmo, minha gente. É queima de fogos “obrigatória em festas à noite”, é torre de champagne que “tem que ter”, é cachorro com aliança, noiva de 4 vestidos , bolo na cara, vestido no mar, valsa de sofrência. Menino, uma coisa esquisitíssima e com cara de cara que… Meu Jesus.
E tem a coisa dos holofotes. Como é repetida essa palavra. Mais do que holofote só lágrimas “preparem os seus lencinhos”. Isso em casamento e em pedido de casamento, viu? Eu não sabia que o pedido tinha virado evento de contratar cerimonialista não. É claro que isso é uma partezinha micra da população, parece que a especialidade do moço é atender filhos e filhas de fazendeiros. Vê, antes de qualquer coisa, torço (e torço de verdade, porque acho bonito demais da conta gente aberta pro amor, acho mesmo) pela felicidade dos noivos. Mas essa idia fixa de provocar emoções filmáveis e fotografáveis tá deixando a gente meio esquisito, não?
O povo diante de umas 100 pessoas ajoelhando no chão, chorando de fazer poça, a coitada da noiva tendo que gritar e se ajoelhar também e holofotes, holofotes, muitos holofotes, e close no anel, e efeito pra brilhar o anel e chora a sogra de um lado e chora a sogra de outro e os sogros se abraçam e vem a vozinha e todo mundo chora de novo e ambulância do SAMU pra socorrer se alguém passar mal e entra o cachorro com uma aliança de biscoito e come a aliança e a noiva olha pra câmera surpresa e o noivo ri também pra câmera e sobe um balão que solta fogos e passa o carro de bombeiro com a sirene ligada em marcha nupcial e voam 350 pomba brancas e Santo Antônio mergulha furando a núvem em “finalmente, agora sim Jõao Felipe” e riem 47 freiras de branco dançando coreografadas e Roberto Carlos empurra Santo Antônio pro cantinho e começa o “como é grande meu amor por você” abençoado pelo casal de gêmeos trazidos do futuro pra dizer que concordam com o enlace dos também futuros pais e crescem 1500 girassois nos campos da fazenda enquanto a noiva grita que SIM! SIM! MIL VEZES SIM! Rapaz, sei não. Enfim, boa semana, queridos. Viva as noivas.
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1 de julho de 2025
IA tem gênero?
“Um amigo me dizia ontem ao telefone que se espantou com o espanto de um outro amigo com quem também conversou ontem ao telefone enquanto falavam sobre o avanço das IAs”. Ouvi no elevador do consultório agorinha. Eram duas mulheres de blazer azul marinho que subiram até o nono andar. Uma diz para a outra: “Bora lá, o amigo é seu ex-marido – a quem você não gosta de chamar de ex-marido e por isso diz amigo, embora às vezes tenha dúvidas de se pode (ou deve, ou quer) chamá-lo de amigo, ou ainda pior, de um amigo – lhe dizia ontem numa troca de áudios -porque você não fala ao telefone em tempo real (principalmente se com seu ex-marido, com quem se sente cada vez menos confortável de dividir um pronome possessivo e portanto talvez seja mais adequado dizer “o pai de meu filho”) – que um amigo – que desconfio que seja somente um conhecido e me pergunto por que essa mania dele de usar o título de amigo com quem não contaria pra lhe acompanhar nem em um exame – o espantou – era uma fofoca embrulhada com a sensação de espanto/indignação, mas devem ter rido e falado mal do sujeito juntos (e aqui de novo: por que rir ou fofocar com este um “amigo”?) – ao dizer de seu espanto – estava com medo e se sentindo inútil, ameaçado e pouco charmoso – com o avanços as IAs. É isso Juliana?”
Subi, eu sim, espantada com a amiga de Juliana. Que tal assim: Em uma troca de áudios, alguém com quem Juliana teve um vínculo mencionou que um conhecido se mostrou impactado com uns efeitos do avanço das inteligências artificiais. Foi uma IA quem me escreveu esta versão. Obrigada. Embora eu tenha pedido pra cuidar de imprecisões e repetições e, 4 tentativas depois, me mandou uma frase de 26 palavras com 4 artigos indefinidos. Os dois primeiros e o último, inúteis. De nada.
Presta? Mais ou menos. Dá pra entender? Dá. Mas subtraem-se informações mais importantes, fofocáveis e até risíveis do que a do espanto e da ameaça que, além de não serem novidade, nos são comuns a todos.
Abri a porta da sala e li o comunicado do fim de um casamento longevo nas redes sociais enquanto esperava a primeira sessão do dia. Ex-marido e ex-esposa deram seus depoimentos um sobre o outro e ambos sobre o fim do casal juntos. O dela tinha 256 palavras, desistências dela e resistências dele, um verso de Eduardo e Mônica e um de Sonhos (o mais bonito de Sonhos) do Caetano. O dele tinha 91, o verbo amar conjugado no passado duas vezes e nenhum verso. Gosto muito do trabalho de ambos e torço para que sejam os dois felizes no presente e no futuro. Nem precisava comunicar, mas claro, cada casal decide se e como tornar público tanto o começo como o fim de uma relação. Enfim, os textos prestam e dão pra entender. Tudo isso pra dividir com vocês essa dúvida: será que a IA tem gênero? Sei lá. Boa semana, queridos – pra vocês e pra Juliana.
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16 de junho de 2025
Nada de mais. Três coisinhas só
- Almocei comida chinesa ontem. Carne com batata imperial e arroz chop suey. Adoro essa palavra. Quando eu era pequena, a gente ia em um restaurante chinês em Boa Viagem que tinha um tanque de carpas e uma pontezinha. Mainha pedia carne acebolada sem cebola e uma porção de batatas fritas pra gente, quase o mesmo gosto da carne com batata imperial. Um dia, meu primo caiu no tanque e eu congelei esse momento na minha cabeça como uma cena chop suey.
Aí ontem, depois do almoço, fui abrir meu biscoitinho da sorte e combinei com as meninas que a gente ia fazer uma pergunta pro biscoito (eu sei, me deixa). Lalá disse que ia perguntar como seria a semana, eu imitei. Meu biscoito veio sem papelzinho dentro. Vocês acreditam? Não é a coisa mais chop suey que podia ter acontecido? Sigo até agora com cheiro de carpa.
- Depois do almoço, fui ver House com a Sofi. House é aquela coisa, né? Você assiste e sai com a sensação de que pode morrer a qualquer momento, tem doença demais nesse mundo e a gente é fraco e cai no buraco, o buraco é fundo acabou-se o mundo. Aí sonhei que acordava com relevos em forma de band-aid por baixo da minha pele. No tronco inteiro e nas duas pernas. Eram do tamanho do band-aid original e estavam posicionados numa perfeição de alinhamento de fazer inveja a qualquer obsessivo do design.
House vinha me atender e dizia que eu estava tentando esconder meus machucados. Eu jurava que não. Ele me perguntava se eu tinha certeza. Eu tentava lembrar do que tinha tirado no biscoito chinês pra responder. Não lembrava por nada. Acordei.
- Vi um moço se estabacar no chão no caminho do consultório. Um cara da minha idade mais ou menos, com calça jeans dobrada no tornozelo, camisa branca bem passada e uma mochila laranja que só não era mais bonita que o tênis que ele calçava. Tudo novo. Tropeçou no próprio pé. Eu ri igualzinho ao dia da queda do meu primo. Mas nem foi engraçado. Não sei por que ri. Ele levantou, olhou bem na minha cara e disse: você sabe com quem está falando? Eu não tinha falado nada, tentei pedir desculpas mas minha voz não saiu. Ele respondeu que tudo bem, também sem som, só com a boca. Na hora me veio o biscoito vazio e me dei conta de que teria sido ainda pior se dentro dele houvesse um papel em branco. Meio como um band-aid que não existe, mas existe, sabe? Sei lá. E vocês? O que esperam da semana?
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9 de junho de 2025
Bom dia. Juro.
Estão construindo um prédio aqui do lado do meu. Um vizinho arquiteto que viu a planta me disse que terá 3 vezes a altura do nosso e largura de encostar no muro (de um lado e do outro). Péssimo. O barulho da construção é enlouquecedor. Já foi pior. Nas primeiras semanas, umas 3 também mais ou menos, era uma batida ritmada de 8h da manhã às 6h da tarde, alta de tremer a casa toda. Doía dentro do corpo, eu acordava e dormia com enxaqueca.
Agora melhorou. Mas piorou também. Porque embora o volume esteja mais baixo, eu estou mais cansada e não é alto o suficiente pra gritar de raiva. Mas siga com raiva. Tu entende? É motor e lama pra não acabar nunca mais. Péssimo.
Enfim, os apartamentos terão 23m2 e custam a partir de R$400 mil. Na minha cabeça, tá todo mundo louco, eu inclusive. Hoje começou às 6h. Não é proibido isso? Não era 8h a hora de começar o barulho? Coloquei granola no filtro de café e pó de café no mamão. Chamei o primeiro atendimento que era online sem me dar conta de que ainda estava de pijama. Péssimo.
Ontem eu sonhei que começavam a subir uma parede de tijolos de pão de forma na minha sala, vários caras de pijama e capacete de construção mexendo cimento numa batedeira de bolo. Eu tentava dizer que não autorizava a obra e eles não escutavam nada. Saiam da cozinha com a batedeira derramavam em uma camada de pão, empilhavam outra e a coisa ia continuando até entrarem com uma porta pela minha porta, telhas e móveis de papelão pra enfiar no mini apartamentinho sanduíche. Foi tão nítido que de manhã me recusei a comer pão. Péssimo
Dediquei umas horinhas do fim de semana pra procurar outro lugar pra morar no Imovel Web. Mas eu gosto tanto daqui, minhas meninas e meus gatinhos gostam tanto daqui. E depois a obra para uma hora pro almoço. São 13 horas de sossego por dia. Fico? Sei lá, nem é que mamão e café seja tão ruim assim. Péssima semana, queridos. Ui, desculpa. Boa semana, queridos. Tomara que haja silêncio disponível aí vocês moram. Aliás, aceitam uma visitinha? Durmo super bem no sofá. Juro!
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2 de junho de 2025
O vento cantarino
Não sei você, mas às vezes eu penso tanto sobre Itaquaquecetuba. Nunca fui lá, mas assistia Silvio Santos quando menina e lembro como se fosse hoje do “Cadê a caravana de Itaquaquecetuba? Quero ouvir a caravana de Pindamonhangaba!”. Lembra? Eu ficava horrorizada, embora conhecesse de perto o potencial trava línguas de Sirinhaém, Tracunhaém, Tuparetama e Tupanatinga, cidades do meu estado. É que Itaquaquecetuba vai um dedinho mais pra frente, vai não? Imagina o coitado do itaquaquecetubense (ou itaquaquecetubano) em idade de alfabetização, que trabalheira danada. Ou mesmo o cidadão já alfabetizado escrevendo uma carta ou a página de um diário: “Itaquaquecetuba, 2 de junho de 2025. Talvez hoje eu tenha me apaixonado por fulana de tal”. Esse merece um olhar recíproco de Fulana e que sejam felizes para sempre.
Fui dar Google pra começar o parágrafo contando qualquer coisa como esta cidade que tem clima subtropical úmido, 82 km 2 e bla bla bla, mas o Google se saiu com um parágrafo muito melhor. Dizia assim: Itaquaquecetuba, ou simplesmente Itaquá, é um município brasileiro do estado de São Paulo, localizado na Região Metropolitana… Itaquá é maravilhoso.
Ontem, eu voltava do interior e toda vez que Itaquaquecetuba aparecia na placa eu imaginava ela tão folgada. Sabe esse povo que não quer nem saber se tá gastando mais espaço do que os outros? Pede palavra em palestra e fala mais que o palestrante, domina (mal) o assunto em mesa de bar, sai antes da conta e deixa o equivalente a uma cerveja no centro da mesa como se não tivesse tomado água, nem caipirinha, como se não tivesse comido da porção de filé com batata frita que ela mesmo pediu, como se nunca tivesse ouvido falar dos 10% do garçom? Pronto, pra mim Itaquá é dessas.
Vê Itu. Itu tem 640 km 2, rapaz, cheia de orelhão gigante, e tá aí, quietinha, ocupando 3 letras da placa de trânsito. Exu em Pernambuco é igualzinho. Fez Luiz Gonzaga, Luiz Gonzaga, Lu-iz-Gon-za-ga e fica tranquila no cantinho dela sem aperrear um único designer do Detran.
Não. Na verdade, deve ser massa, Itaquaquecetuba. Pindamonhangaba também. Desculpa. Sabe como se chama isso? Chama-se junho. Quando maio acaba, vem aquele cheiro de milho até no pão de forma, vai dando um vento cantarino, um quente de fogueira, uma vontade de pendurar bandeirola colorida no meio da sala, uma Luiz Gonzaguisse tão grande, tão grande, gigante mesmo, que o p ernambucano fora de Pernambuco implica até com placa de trânsito. Ô, rapaz. Como é que faz, eim? Boa semana, queridos, arranjem aí uma festinha de São João pra vocês.
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26 de maio de 2025
Ferramentas/Ortografia e gramática/verificação
“Bom dia, Roberta. Uma dúvida aqui: análise cura mau-olhado?” Começava assim a mensagem que recebi sexta-feira no e-mail do consultório. E seguia explicando “Veja, não é papo de ´ai, porque os invejosos então me rogando praga´e essas coisas. É um auto-mau-olhado. E é tão forte, tão eficiente, que tô aqui lhe escrevendo e usando 3 hífens na mesma palavra. Sendo que me prometi que não cometeria nenhum erro de português porque sigo uma mulher insuportável no Instagram que só fala de erro de português. Percebe o efeito imediato do auto-mau-olhado? Faço o que não quero o tempo todo. Busco uma cura em no máximo 1 mês, que é o tempo que tenho pra me dedicar a isso”. Nessa hora eu dei Google pra saber se dava pra ter 3 hífens na mesma palavra numa distração 100% pisciana de quem esquece da existência do bem-me-quer e do mal-me-quer. Dá sim. E auto-mau-olhado leva hífen mesmo. Tá certo.
Ele continuava. “Olha, se quiser publicar minha pergunta, publique. Mas pelo menos aproveite pra responder. E que fique registrado que já peguei ´há´ sem ´H´ nos seus textos mais de uma vez, assim como falta de acento grave, só pra gente ficar na mesma página”. Ui. Não é que eu esteja 100% em dia com o Aurélio Buarque de Holanda, muito menos com o novo acordo ortográfico, mas juro que passo corretor. E depois pro há de haver, canto a música do Gil quando fico na dúvida: “Não há o que perdoar, por isso mesmo é que há de haver mais compaixão. Quem poderá fazer aquele amor morrer se o amor é como um grão”. De qualquer forma, perdão, minha gente.
“Enfim, cura ou não cura? Um mês no máximo. Se curar, quero marcar uma entrevista. Se não, favor desconsiderar à mensagem”. Não é por nada não, mas esse acento aí tá sobrando. E digo isso numa concordância absoluta com o remetente do e-mail porque também acho aquela moça do Instagram insuportável. Respondo aqui: vê, análise não é unha de gel. Não tem prazo de duração pré-determinado. Agora, essa coisa do auto-mau-olhado me interessou perdidamente e acho que ela está mais ligada ao bem-me-quer, mal-me-quer do que pensam os hífens todos. Eu digo que venha. Mas digo também que análise é feito um grão, igualzinho na música. Às vezes um tanto de coisa tem que morrer pra germinar. Venha que cabem os excessos, as faltas e os tropeços que aparecerem nessa “caminhadura”. Amei o e-mail e sigo pensando sobre ele. Boa semana, queridos.
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19 de maio de 2025
Pra lá da última esquina
“Se fosse pra ser bem precisa, fiel mesmo aos mapas todos, quando você tiver chegado na última esquina, não vai ter percorrido nem metade do caminho. É desse tanto de ‘lonjura’ que a gente tá conversando. Eu não sou boa disso, não, Rô”. Essa era minha analisanda de sexta-feira (a última do dia) tentando me explicar quão distante se considera de encontrar uma pessoa “com quem valha a pena (meia pena que seja) se relacionar”. Ela tem as melhores metáforas e construções de frases.
Não é a única que me diz dessa sensação, é quem diz de forma mais literária, isso sim. Mas, nossa, como tenho escutado coisas parecidas. Pra além da análise dela – e da tua, caso essa seja uma fala que poderia ter saído também daí-, a primeira pergunta que me vem à mente é: de que ´pena´ a gente tá falando?
Vê, se relacionar envolve investimento e alguns investimentos podem ser mesmo penosos. Dá uma olhada nessa definição de penoso, a primeira que me apareceu aqui na pesquisa. Que causa dor e sofrimento; doloroso. Que não é agradável; que provoca desconforto; desagradável. Que demanda muito trabalho, muito esforço; difícil. “Que causa dor e sofrimento; doloroso” me pega um pouquinho. Um relacionamento que cause dor e sofrimento, a depender da dor e do sofrimento, já é caso de entender mesmo se vale. Agora “que não é agradável; que provoca desconforto. Que demanda muito trabalho, muito esforço; difícil” é meio que o basicão de existir, não? Um bebê quando nasce e tem a experiência de respirar fora da barriga da mãe pela primeira vez, se pudesse ser entrevistado na sequência (e soubesse falar, dizer de si e tudo aquilo) dificilmente classificaria a cena como agradável, certo? Viver dá trabalho, demanda esforço, às vezes é meio difícil, mas é massa também. Vale, claro que vale. Tô doida?
A segunda pergunta é: e tu tá fazendo o que além de se relacionar? Estamos em relação a alguém (na relação com alguém) desde aquela hora do parto. Relacionar-se é beabá da condição humana. Eu sei que não é esse o tipo de relacionamento que foi mencionado na minha sessão da sexta. Mas às vezes penso que olhamos para a relação erótico afetiva como se ela estivesse apartada das outras todas.
Minha analisanda “vai ficando” (conhecendo um monte de gente) no objetivo, segundo ela, de “fazer supletivo de como lidar com o outro”. Diz que nasceu sem essa habilidade e não tá conseguindo aprender por nada, ainda que tente. De onde vejo, penso que descreve a dificuldade de buscar alguém “que valha” como se fosse dela a incapacidade da busca ou até mesmo da condução de uma relação. Mas faz isso enquanto se relaciona e busca. Quase como aquela bailarina girando na ponta do pé enquanto jura que balé não é pra ela. Tá aí um lugar onde o gerúndio fica bem na frase. A gente pena penando e se relaciona se relacionando. Sei lá, mil coisas. Boa semana, queridos.
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12 de maio de 2025
Gê de gente
Tia Gê era professora de ginástica em Garanhuns. Isso em 80 e poucos quando eu era menina pequena ainda. Não lembro da carinha dela, mas mainha foi uma de suas alunas. Posso estar inventando, mas na minha cabeça, ela dava aula na casa das pessoas. Não no esquema personal, professor e aluno. No esquema amigas se juntam cada vez em uma casa diferente, preparam lanchinho, ligam o som na sala, conversam antes, conversam depois. Sempre que me refiro às amigas de Garanhuns de minha mãe é de 8 pra mais, certo? Galera mesmo.
Escutei agora um podcast sobre a epidemia de solidão atual e lembrei do esquema de tia Gê. Encontro a Mari, minha “professora de ginástica”, duas vezes por semana na academia. A gente passa a hora que estamos juntas conversando. Ela é muito boa no que faz, concentradíssima. Então essa conversa só se dá nos intervalos (cronometrados) entre as séries. Quando não é intervalo ela está controlando meus movimentos e minha respiração enquanto conta as repetições.
Se a gente pensar na eficiência do meu treino de hoje em relação ao de mainha em 80 e poucos, dúvida zero. O meu é treino de verdade, o de mainha era quase que uma social. Mas minha gente, devia ser uma delícia, não é? Eu encontro minhas amigas uma vez por mês. As muito próximas, do coração, da frequência disciplinada mesmo, são 4 separadas em duas turmas diferentes. Uma vez por mês. Mainha encontrava só essa turma 2 vezes por semana. Fora as outras turmas, fora os cafezinhos que combinava no fim da tarde, os jantares que fazia em casa, as viagens de amigos.
Ah, mas eu trabalho muito. Ué, minha mãe trabalhava muito também, a vida não era molezinha. Mas sobrava mais tempo. Segundo o podcast (era O Café da manhã, da Folha de São Paulo), parte do que nos atrapalha é o excesso de disponibilidade de contato (Whatsapp, redes sociais e as modernidades todas) versus a escassez de disponibilidade real. Estamos a um like de todo mundo, mas like não é conversa, a uma mensagem de feliz dia das mães (copiada e colada), mas a um mês de encontrar e perguntar como foi o dia de verdade. Me impressionou um pouquinho isso. Esse amassamento da vida de agora.E vocês, como estão os laços por aí? Boa semana queridos, se puderem, encontrem um espacinho pra ver um amigo essa semana. A gente se faz nas relações, né? Eu vou tentar.
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5 de maio de 2025
Na primeira manhã que te perdi
Perdi o sono essa noite e fiz o que não devia. Fiz “o que não devias” porque foi mais de uma coisa (e me deixem com meu plural torto, acordei atravessadíssima e a gramática não está aberta a discussão).
- Peguei o telefone na mesinha ao lado da cama. Não entrei em nenhuma rede social. Veja que disciplinada. Mas abri um agregador de notícias. A primeira era: “Planeje uma viagem à Europa sem sair de Minas Gerais para essa cidade”. Minha gente, calma. Primeiro, para planejar uma viagem à Europa, não é preciso sair de lugar nenhum. Você planeja da sua casa mesmo, aí depois você vai. Se sua casa for em Minas, sorte a sua, porque amanhã no café da manhã, haverá pão de queijo dos de verdade. Se não for, problema nenhum. Depois, para essa cidade qual? Em Minas ou na Europa. Não sei, mas…
- Levantei atrás de pão de queijo. Tinha um pacotinho na gaveta do freezer. Me senti abençoada pela fada da fome da meia noite embora fossem somente 3 – do coquetel, aquele micro, pão de queijo da Barbie de tão pequeno. O adiantar da hora decidiu pela Airfryer e aí lembrei que a tomada da Airfryer enganchou na tomada da parede e coloquei os 3 coitados no microondas. Não deu pra comer, mas…
- Lembrei que tinha escrito para um eletricista na semana passada. A Airfryer é importante pra mim. Não lembrava do nome do eletricista pra checar no Whatsapp se ele já tinha respondido e escrevi eletricista na busca. Não havia eletricista. Escrevi conserto, também não. Encanador, vai que me distraí, nada. Passaram 1 hore e 17 minutos até que encontrei o sr. Leandro para quem digitei a mensagem e não enviei. Enviei. Leandro, o outro, meu amigo de faculdade tinha me mandado um link de música, em 2018. Contava da separação recente. Já recasou e teve 2 filhos. Cliquei, amo essa música, mas…
- Era na primeira manhã do Alceu Valença. Começa assim: Na primeira manhã que te perdi, acordei mais cansado que sozinho. Lembrei que terça, perdemos um gato. Procurei até quase chorar pensando em como contaria para as meninas do desaparecimento. Achei 20 minutos depois, mas…
- Não vi os gatos na cozinha, voltei a procurar. Revirei a casa. A cozinha, a área de serviço, a sala, o banheiro, cada armário, cada cantinho, a escada de incêndio, 8 andares pra baixo e 3 pra cima, a garagem. Bati na guarita do porteiro pra pedir as imagens da câmera de segurança. Ele dormia (igual a sr. Leandro) e ficou chateado (talvez um pouco menos que sr. Leandro) com o contato na madrugada. Voltei pro quarto perdedora e sem fôlego. Ambos dormiam cobertos na minha cama (esfriou essa semana). Deitei pertinho deles. O alívio me deu sono, fechei o olho, mas…
- Eram 6h da manhã, hora de acordar. Bom dia, mas só se for pra vocês. Sim, alguém me indica um eletricista?
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28 de abril de 2025
O enigma de um dia
Abandonei meu mestrado meses depois da qualificação. Se a vida acadêmica fosse vida religiosa,
seria considerado um pecado. A qualificação é uma pré-apresentação do projeto. É como se a
instituição assinasse embaixo pra você fazer as correções de rota necessárias e entregar de uma vez
o trabalho pronto. Tava quase pronto, mas desisti bem ali. Isso faz uns 20 anos. Aí que passei a fazer
um milhão de pós-graduações pra compensar o não mestrado.
Fui feliz com quase todas. Só que tem sempre uma melhor. Era uma pós em teoria de arte no MAC
da USP. No MAC mesmo, lá dentro do museu, quando a sede ainda ficava na cidade universitária. Eu
entrava naquele lugar como quem entra em uma igreja, num respeito, numa devoção. Eram duas
aulas na semana, quase sempre no auditório. Mas às vezes a gente ia na sala de exposição estudar
uma obra ou um artista específico. Nesses dias eu sentia uma vontade tão grande de que o mundo
inteiro estivesse ali. O mundo inteiro. O povo que já morreu e o povo que ainda vai nascer. Todo
mundo tinha que ter o direito de estar no museu fechado para visitantes olhando pra cada
milímetro de um pouco mais de 1 metro quadrado de tela que são ao mesmo tempo um pouco mais
de 1 metro quadrado de tela e o mundo inteiro. Eu saía dessas aulas com um pulmão de 20 metros
quadrados. Dava pra respirar uns 20000 litros de ar por minuto com meu pulmão novo.
A sede do MAC mudou e toda vez que encontro um dos quadros que estudamos na sede nova, meu
pulmão cresce mais um pouquinho. Ontem fui conhecer o anexo do MASP. Há qualquer coisa no
ambiente de um museu que nos altera mesmo o fôlego. Vão lá, minha gente (nas terças e nas sextas
a partir das 18h o ingresso é gratuito). Entrei na sala do segundo andar onde está a vídeo-instalação
de Isaac Julien e fiquei assim meio boba. Eram 9 telas dispostas umas de frente para as outras. Nas
telas, espaços projetados por Lina Bo Bardi, textos dela lidos por Fernanda Montenegro e Fernanda
Torres e o Balé Folclórico da Bahia em coreografia de Zebrinha. Cheguei na metade da projeção sem
entender muito o que estava acontecendo, quase desatenta, até que uma bailarina (meio orixá, meio
bailarina) começa a girar a saia vermelha diante da escada do MAM da Bahia. Eu lembro do
primeiro dia que fui ao MAM da Bahia com a mesma nitidez do dia que desisti do mestrado. Tudo ao
redor meio sem foco – Por que fui? Com quem eu estava? Fazia calor ou frio? O que estava exposto?
No museu e na desistência – mas uma imagem ficou inteira preservada dentro de mim: a da escada.
Nunca esqueci da escada do MAM da Bahia. Pesquisando sobre a vídeo instalação, vi que ela se
baseia na seguinte citação de Lina Bo Bardi. “O tempo não é linear, é um maravilhoso emaranhado
no qual, a qualquer momento, fins podem ser escolhidos e soluções inventadas, sem começo nem
fim”. Igualzinho à escada. Acordei pensando no giro, no sobe e desce do tempo e no meu desejo de
fôlego pra mim, pra tu e pra todo mundo. O povo que morreu e o povo que ainda vai nascer. Boa
semana, queridos.
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21 de abril de 2025
Qual é o seu perfil de investidor?
O Bitcoin está em alta. Tá vendo, Rô? Eu te disse que valia a pena investir, me diz (e me disse mesmo) meu analisando das 8h da manhã de ontem. Pedi que ele explicasse um pouquinho melhor como funciona (pra ele) o Bitcoin. É o que fazem os analistas na maior parte do dia. Perguntam. Dos temas que já sabem de trás pra frente e dos outros sobre os quais entendem bulhufas. A gente pergunta pra abrir terreno. Na resposta, o analisando desmonta o discurso e diz de si, do que sente, do que pensa.
De Bitcoin entendo bulhufas, embora já tenha ouvido essa explicação 500 vezes – parece que é meio moda entre o povo que frequenta meu consultório fazer esse tipo de investimento. A fala quase sempre começa com o básico do “é uma criptomoeda” e termina cada um pra um lado porque o interesse da escuta tem muito mais a ver com o investimento psíquico (libidinal) do que com o financeiro.
Nunca investi em criptomoeda. Mas amo criptograma, aqueles da Coquetel, sabe? Funciona um pouquinho como criptomoeda. Você não tem grandes certezas, mas há pistas. É preciso apostar. Na criptomoeda não dá pra cravar se vai subir ou descer, nem quando, nem quanto; se vale a pena tirar agora ou colocar mais dinheiro pra tirar depois. No criptograma, numa língua cheia de sinônimos feito a nossa, às vezes uma escolha errada muda o rumo da página inteira e olha que a página é de papel jornal e apagar sem rasgar é quase tão arriscado quanto o bitcoin.
Passei o dia pensando nisso, nos riscos, nas demandas e nos ganhos de um investimento. Desde os mais administráveis como uma escolha profissional, a compra de um imóvel, aos mais complexos como os que dizem respeito aos relacionamentos, ou a decisão de ter um filho, os quandos, os com quem, e os comos.
Meu analisando das 8h veio ao consultório para fazer terapia de casal. Estavam diante de alguns desses dilemas complexos. Tentaram, mas acabaram se separando. Ele voltou anos depois para começar uma análise. Anda escrevendo novas páginas, novas combinações de letras. Apaga devagarzinho quando é preciso, com cuidado pra não rasgar, mas sabendo que restarão as marcas. Tem dias que me conta da ex-companheira. Está ótima, teve gêmeos em julho. Lhe quer bem. Também viu crescer a barriga da companheira atual (mais de uma vez, inclusive), tem se aprofundado nas próprias questões, feito as elaborações possíveis. Sei lá, às vezes também tenho vontade de lhe dizer “tás vendo, vale a pena investir”. Boa semana, queridos.
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14 de abril de 2025
É o puro creme do milho
Ontem eu deitei umas 10h da noite. Tinha tirado um cochilo das 7h às 9h. Não recomendo. Acordei confusa, com sede, ainda mais cansada e se me perguntasse o meu nome, provavelmente eu demoraria pra responder.. Pensei que faria sentido uma meditação guiada pra entrar no sono grandão e, quem sabe, não acordar às 4h como tem acontecido quase todos os dias desde a chegada da viagem.
Quando na viagem, fiquei impressionada com o silêncio. Havia silêncio disponível até no metrô. Faz-se urgente experimentar uma quantidade menor de decibeis em minha vida, pensei. Tenho tentado. Ocorre que moro em uma avenida com barulho de ônibus, de moto, de comemorações dos jogadores de beach tênis na quadra da frente (que oferece turmas desde às 5h da manhã, que tal?), de reformas no próprio prédio e de um prédio inteiro sendo construído no terreno vizinho de muro. Se for mês de carnaval tem trio elétrico na rua de trás e, em qualquer mês do ano, inclusive no do carnaval – quase esqueci de dizer – tem o carro da pamonha, o do chocolate, o do morango e o do ovo. Todo dia. Mais de uma vez por dia.
Aí eu na cama às 10h da noite ouvindo a meditação guiada. O moço falava tão arrastado, tão arrastado, que eu botei no 1,5x – pra vocês posso contar. Eu lá, dando o melhor de mim pra pensar no azul-claro brilhante que ocupava meu corpo na inspiração e no laranja-amarelado que ocupava o mundo na expiração, passa uma moto com escapamento a milhão. Cai azul, laranja e amarelo pra tudo que é canto. Demorou uns 3 parágrafos do moço pra eu reorganizar. E assim foi até ele mandar um namastê.
Respondi concorrendo com o barulho de um caminhão desbalanceado e peguei no sono. Tive o melhor sonho dos últimos tempos. Eu estava sentada no gramado que o moço descrevia depois do esquema do azul-claro em posição de lótus e com uma roupinha esvoaçante daquelas que o povo usava no céu da novela A Viagem. Éramos eu, a Christiane Torloni, o Antônio Fagundes. Todo mundo concentradinho, cabelos ao vento. Quem falava com a voz do professor era Guilherme Fontes, que não estava de preto. Ele lá mandando a gente inspirar profundo, e alongava o “un” profuuuuuuuundo. A gente, quase que hiperventilando, obedecia. Até que anunciava o momento dos mantras e repetia na velocidade 0,5x. Pamonha, pamonha, pamonha, pamonha de piracicaba, é o cural de pamonha, é o puro creme do miiiiiiiiilho. Fazia vrum, vrum, vrum, feito criança imitando motor de carro. A gente repetia. Depois, gritava ponto, ponto, poooonto e emendava um “eu falei faraóoo, êeeeeeeeee, faraó. Acordei às 4h de novo. Mas pelo menos, acordei rindo. Força, foco e fé pra gente, galera. Vou tentar deitar às 9h hoje. Depois, eu conto.
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10 de abril de 2025
As entranhas do porco
Meu namorado diz que quem volta igual de uma viagem não precisava nem ter viajado. É mesmo, né? Ou a gente se deixa transformar (seja a viagem da natureza que for), ou a vida perde quase toda a graça. Mesmo assim confesso ter me sentido um pouquinho pressionada hoje cedo, no primeiro dia do pós-férias. Será que fui competente na tarefa de mudar ou voltei igual que nem?
As semanas de Japão foram impressionantes, disso não tenho dúvida. Há um jeito de estar no mundo meio outro do outro lado do mundo. Vocês assistiram Dias Perfeitos? Sabe aquele “todo dia ele faz tudo sempre igual” que dá uma admiração e um espanto do mesmo tanto? Senti isso o tempo todo. Fora que viajei com minha irmã e minha mãe. Foram 15 dias dormindo e acordando com elas. Não fazíamos isso desde 1991, o último ano em que moramos as 3 juntas. Quem volta igual de uma imersão familiar não precisava nem ter mergulhado, né?
Chegamos na semana exata em que as cerejeiras floresceram em Tóquio, as flores duram 7 dias. Todo dia de manhã, minha irmã acordava mais cedo, meditava, fazia sua série de Yoga, tomava chá e caldinho quente. Todo dia minha mãe nos lembrava de nossa sorte de estarmos juntas, elogiava as lichias descascadas, se comovia com a beleza das flores. Sabe aquele “todo dia ela faz tudo sempre igual” que dá uma admiração e um espanto do mesmo tanto? Senti isso o tempo todo.
Numa visita a um jardim, escutamos a explicação de que parte do simbólico da terra “penteada” – aquela que a gente reproduz com ferramentas pequenininhas nos jardins em miniatura – era o estar preparado, acordar de manhã e preparar-se. Aquilo entrou tão fundo em mim. Uma moça do meu lado não conteve a angústia de urgência de utilidade tão ocidental nossa: preparado pra que?, perguntou. Ué, pra ver as flores, só duram 7 dias. Assim como quem acorda mais cedo e estica o tapetinho de yoga no quarto de hotel, assim como quem não cansa de elogiar a lichia descascada, assim como quem dobra o futon sabendo que vai desdobrar no fim do dia.
Hoje eu cheguei mais cedo no consultório pra arrumar a sala pro primeiro analisando da segunda-feira. Em cima de minha mesa o caderno estava aberto com notas que tomei na sexta pré-férias. Eram 6 itens: 1. As entranhas do porco; 2. Dois dentes do Carlos Augusto; 3. Não esquecer, 15h30; 4. Olhar atravessado; 5. Só se for verde; 6. Página 27 e 33. Foi eu que escrevi, é minha caligrafia, mas foi outra eu. Não faço a menor ideia do que Roberta de lá tinha que fazer às 15h30, deve ter esquecido, que olhar foi esse, de que livro eram as páginas 27 e 33, o que havia de maduro ou de verde, quem é Carlos Augusto ou por que me preocupavam as entranhas do porco. Talvez eu não tenha voltado igual. Muita terra ainda pra pentear nesse jardinzinho, minha gente. Feliz por estar de volta com vocês e ainda pensando na profundidade de mergulho. Boa semana, queridos.
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Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…
17 de março de 2025
Os mares do Japão
A mãe de criança pequena – fim de semana sim outro não – quando menos espera, está sentada em uma mesa de plástico no térreo de um prédio onde nunca esteve antes, ouvindo caixa de som estourada, grito de criança e de monitor (que costuma ser mais insistente e estridente do que o da criança), segurando um balão que vai pipocar, embora numa tentativa dedicada para que não estoure, com a sola de sapato preguenta de brigadeiro e talvez a outra mão também preguenta por segurar um brigadeiro reservado que pode virar o próximo brigadeiro pisado, conversando com uma outra mãe na mesma circunstância nunca antes vista, e com quem provavelmente não se tem nada em comum além do aniversariante da vez, por assim, umas duas ou três horas de um sábado à tarde ou até que alguém resolva cantar parabéns. Se a mãe tiver mais de um filho, talvez a cena se dê todos os fins de semana.
Pois que uma vez eu estava neste tipo de sabado e minha interlocutora desconhecida me confessou uma angústia. O filho dela, que devia ter uns 6 anos, como tinha a minha mais velha à época, lhe dizia todos os dias na hora de dormir que tinha vindo “dos mares do Japão”. Descrevia em detalhes a travessia feita a barco e como eram enormes as ondas, o que vestiam, o que estavam com ele, como era a moça que o carregou nos braços até ela, o porto, os temporais, as músicas que ouviram no caminho. “Eu sonho com isso, mas sei que não é sonho, mãe”, ele dizia. Aquilo me impressionou horrores. Nunca esqueci.
De forma diferente, a minha mãe também tem um certo fascínio pelo Japão. Sonhou por muito tempo com uma viagem. Mais de uma vez, estudou possibilidades de roteiros, organizou a buscou os melhores voos, os hoteis que fariam sentido, as cidades que gostaria de visitar, os parques, os templos. Resolveu ir em 2019, partiria no primeiro semestre de 2020. Não sabia que na data do embarque viveríamos o auge da COVID 19. Não foi. De lá pra cá, o Japão dela, parecia um pouco com o do filho da moça do aniversário. Um Japão pouco palpável, talvez até, um Japão de uma outra vida.
Quando penso nas festinhas que descrevi há pouco também tenho essa sensação de outra vida. Minhas filhas são outras, as festas são outras, as travessias e as ondas são outras. Ser mãe de filhas adultas é quase que uma outra categoria de maternidade. Assim como ser filha adulta é também quase uma outra relação, embora seja tão a mesma. No próximo sábado, embarcaremos minha mãe, minha irmã e eu, para Tóquio. O objetivo da viagem é vê-la feliz no próprio sonho. Levo comigo o menino e o sonho dele e a moça que o carregou no colo em meio às ondas gigantes. Tô numa sensação danada de que estarei bem acompanhada. Na volta, conto como foi. Beijo grande, queridos. Até lá.
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