POLÍTICA

Rubens Paiva no Congresso: menções a ex-deputado incluem cobranças para esclarecer morte e críticas de Bolsonaro

11 de março, 2025 | Por: Agência O Globo

Nome de vítima da ditadura foi citado quase 200 vezes na Câmara e o Senado desde sua morte até este ano

Busto de Rubens Paiva na Câmara dos Deputados, em Brasília — Foto: JBatista / Agência Câmara

Morto na ditadura militar, o ex-deputado Rubens Paiva foi mencionado quase 200 vezes em discursos no Congresso desde que foi preso por agentes do regime militar, em 1971. Um levantamento mostra que a maioria das referências a ele foi de elogios ou em memória do caso, além de um isolamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, no período em que foi deputado, nas críticas ao ex-parlamentar.

A estreia do filme “Ainda Estou Aqui”, que ganhou o Oscar na categoria filme internacional neste ano, deu um novo fôlego aos discursos. No fim de 2024, foram quatro menções. No primeiro mês de trabalhos legislativos em 2025, houve sete, todas de parlamentares de esquerda. Nos últimos meses, enquanto o filme de Walter Salles estava em campanha no circuito de premiações internacionais, o Congresso estava em recesso.

No último dia 19, porém, o filme e o ex-deputado apareceram em um discurso da deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP), que ressaltou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de analisar se o crime de ocultação de cadáver está incluído na Lei da Anistia.

— É importante destacar, inclusive, um julgamento que está sendo realizado no STF hoje, pelo Ministro Flávio Dino, que desconsidera a ocultação de cadáver nos perdões colocados na Lei da Anistia, que foi o que aconteceu com Rubens Paiva.

Além disso, em seu primeiro discurso após tomar posse como presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) não citou diretamente Rubens Paiva, mas fez uma referência ao filme que ganhou o Oscar.

— Em harmonia com os demais Poderes, encerro com uma mensagem de otimismo: ainda estamos aqui! — disse.

Também houve um resgate da memória de Paiva na década passada, com um pico de citações em meio às discussões da Comissão Nacional da Verdade e dos 50 anos do golpe militar de 1964.

Como mostrou o colunista Lauro Jardim, uma pesquisa realizada pelo Ipec entre os dias 6 e 10 de fevereiro questionou qual o sentimento da população a respeito das indicações ao Oscar de “Ainda Estou Aqui”: 70% disseram estar “muito orgulhosos” (39%) ou “orgulhosos” (31%). Mais do que o triplo daqueles que responderam se sentir “pouco” (8%) ou “nenhum orgulho” (12%) com o feito.

Entre os jovens de 16 a 24 anos o entusiasmo é maior (77%) do que entre aqueles que já passaram dos 60 anos (61%). Assim como, previsivelmente, é mais intenso entre os eleitores de Lula (80%) do que entre os de Bolsonaro (62%).

Críticas de Bolsonaro

As menções a Rubens Paiva na Câmara foram bem mais numerosas, com 153 desde 1971. No Senado, foram 39. A ampla maioria é de celebração da memória do político. Uma das poucas exceções é de Bolsonaro: entre 2012 e 2016, o então deputado fez cinco menções a Rubens Paiva, e na maioria delas apresentou uma alegação falsa, de que o ex-parlamentar teria sido morto não pela ditadura, mas sim por militantes de esquerda. Essa versão já foi desmentida por documentos oficiais e por depoimentos de militares.

Há um predomínio de partidos de esquerda — 50 foram de membros do PT —, mas a solidariedade não se limitou a essas siglas. O MDB é a segunda sigla que mais aparece, com 25, em parte devido à sua posição como partido de oposição na ditadura.

Além disso, também houve manifestações de solidariedade por integrantes de PSDB, PSD e até do antigo PFL, sigla de centro-direita que hoje é representada pelo União Brasil.

O ex-deputado Darcísio Perondi (MDB-RS), por exemplo, comparou Paiva à Maria Corina Machado, opositora de Nicolás Maduro na Venezuela. Perondi também citou o ex-deputado para criticar a oposição ao então presidente Michel Temer.

Até mesmo o ex-senador Antônio Carlos Magalhães, então no PFL, partido que surgiu a partir do fim da Arena, sigla de sustentação política da ditadura, também fez discursos na tribuna do Senado destacando que, durante o período em que governou a Bahia contratou a empresa de Rubens Paiva para a execução de obras de engenharia no estado.

A citação mais célebre a Rubens Paiva foi feita por Ulysses Guimarães, então presidente da Assembleia Constituinte, ao promulgar a Constituição, em 1988:

— A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram — declarou.

A memória de Rubens Paiva passou a ser mais exaltada recentemente. Na Câmara, nas quase quatro décadas entre 1971 e 2009, houve 43 menções. Enquanto isso, apenas entre 2011 e 2020 houve 93 citações.

A pesquisa foi feita com base nas transcrições disponíveis nos sites da Câmara e do Senado. Até o início de século XXI, os discursos eram registrados nos diários das respectivas Casas e disponibilizados de forma impressa. Essas edições foram digitalizadas nos últimos anos, mas a busca está sujeita a possíveis dificuldades de identificação da expressão “Rubens Paiva” nos arquivos mais antigos.

O pico de menções na Câmara ocorreu em 2014, com 28. Naquele ano, no dia em que foram completados 50 anos do golpe militar, foi inaugurado um busto de Rubens Paiva na Casa. Também em 2014 foi concluída a Comissão Nacional da Verdade, que ajudou a desvendar detalhes da morte do ex-deputado.

Quem mais citou Rubens Paiva foi a deputada Maria do Rosário (PT-RS), que mencionou o ex-deputado em 15 discursos, inclusive em seu voto contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

— A memória dele foi uma tentativa, para mim, de acordar os parlamentares para a responsabilidade que temos com a democracia — afirma Rosário. — Os desaparecidos políticos do Brasil estão presentes politicamente, como uma lembrança de que nós não cumprimos a nossa responsabilidade.

O desaparecimento de Rubens Paiva, ocorrido em janeiro de 1971, foi denunciado quatro meses depois no plenário da Câmara por Marcos Freire (MDB-PE):

— O que se busca assegurar não é sequer o direito de liberdade para Rubens Paiva. A esta altura dos acontecimentos, o que se busca é o direito de ser preso de acordo com as leis do país.

Na época, o então deputado Nina Ribeiro (Arena-RJ), do partido governista, apresentou a versão oficial do regime.

— Tudo que está ao alcance, todos os instrumentos hábeis e válidos, neste caso, estão sendo tomados.

No Senado, o então senador do partido, Franco Montoro, meses depois do desaparecimento e morte de Rubens Paiva, cobrou o governo militar sobre respostas em relação ao ex-deputado.

— Todos devem ter interesse na apuração desses fatos e é para essa área, para a qual, como sabe Vossa Excelência, o Judiciário não é remédio, porque para isso não há o habeas corpus. E foi em torno disso que se fizeram as grandes discussões do Conselho, como por ocasião da morte do ex-parlamentar e engenheiro Rubens Paiva, exatamente. Foi preso em nome da Segurança Nacional e desapareceu: não se fez inquérito — afirmou.


BS20250311100019.1 – https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/03/11/rubens-paiva-no-congresso-mencoes-a-ex-deputado-incluem-cobrancas-para-esclarecer-morte-e-criticas-de-bolsonaro.ghtml

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