ECONOMIA
Sabor mais amargo: café acumula altas e vira ‘o novo azeite’
14 de outubro, 2024 / Por: Agência O GloboNos últimos 12 meses até setembro, produto teve alta de 22,66%, pesando no orçamento
Quando percebeu os aumentos constantes no preço do café, Antônio Sampaio, sócio da Panificação 3 Graças, no Centro do Rio, ligou o alerta. A preocupação tinha um motivo: nos últimos 12 meses até setembro, o café moído acumulou uma alta de 22,66%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo IBGE. No ano, a aceleração é ainda maior, chegando a 24,93%.
Além desse aumento já registrado, o receio de Sampaio se intensifica devido ao que ocorreu com o azeite, que acumula 38,68% de inflação nos últimos 12 meses. Embora ainda não tenha alterado o preço do tradicional cafezinho, ele afirma que, se os reajustes persistirem, não haverá alternativa:
— Não temos margem para absorver esse tipo de aumento. Se continuar subindo, teremos que repassar o custo para o consumidor. O café é o novo azeite, que começou a subir lentamente até chegar ao preço atual — comenta.
Matheus Dias, economista do FGV Ibre, explica que a alta do café não é um fenômeno restrito ao Brasil.
— Nos últimos anos, o café tem sofrido impactos climáticos que prejudicaram a produção. O Brasil enfrenta um problema de seca, o que eleva o preço. Além disso, a questão dos estoques é crítica: os países que importam nosso produto estão com estoques reduzidos, gerando pressão sobre os preços.
Até o cafezinho caseiro passou a ter gosto mais amargo. Um levantamento feito pela Horus, solução da empresa de software Neogrid, aponta que, de setembro de 2023 ao mesmo mês de 2024, o preço do café em pó aumentou 11,7%. O produto em grãos teve alta de 6,6%. De janeiro a setembro de 2024, o café em pó sofreu um reajuste médio de 22,8%. A versão em grãos subiu 9,6%.
Produto é negociado para exportação, o que eleva o custo
Segundo Anna Carolina Fercher, head de Customer Success e Insights da Neogrid, no caso do azeite, basicamente tudo o que se consome no Brasil vem de fora. Já o café é em grande parte produzido aqui. O problema é que é negociado para exportação.
Neste ano, o preço do café no varejo subiu 31,70% no Rio de Janeiro, seguindo a tendência de alta no país. A situação se agrava ao observar um aumento de 60,78% no preço do produto desde 2021, enquanto o salário mínimo teve uma elevação de apenas 28% no mesmo período. Os dados são do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Diferentemente de outros alimentos que podem ser trocados por alternativas mais baratas, o café ocupa um espaço especial no dia a dia. O comerciante Anibal Olival aprendeu a não sair de casa sem tomar um cafezinho:
— O preço está subindo, mas eu não consigo ficar sem. Se continuar encarecendo, vou procurar promoções.
Buscar uma oferta é a saída para o mecânico Marcelo Dutra, de 44 anos.
— A alternativa é buscar promoções, mas colocar água no café para render não é aceitável — afirma.
Comerciantes tentam evitar repasse ao clientes
Na lanchonete Fikaaki, a alta do custo do café já é sentida, mas o proprietário Felipe Neves, que trabalha com o pai, Francisco Ribeiro, tem tentado manter os preços sem repassá-los aos clientes. Se continuarem a subir, no entanto, não será possível sustentar a estratégia.
— Alguns lugares estão vendendo o cafezinho a R$ 4. Mantemos a R$ 3,50, mas não vamos conseguir segurar esse valor por muito tempo — prevê Ribeiro.
Na Queridinha Café, o preço também ainda não aumentou. Porém, o estabelecimento devolveu a máquina de moer após a alta do café em grãos. Agora, a opção é utilizar o produto já moído.
— Paramos de comprar o grão porque antes pegávamos cerca de R$ 180, mas agora custa R$ 350. Passamos a usar o café já moído, pois não temos margem para trabalhar com o grão. Eu vendia até pacotes de café, mas com o preço tão alto, não tinha como adicionar uma margem — diz o sócio Reginaldo Teles.
Maurício Arieira, de 66 anos, vende cafezinhos diretamente da garrafa térmica numa banca de jornais no Centro do Rio. Segundo ele, o pacote que antes custava R$ 15 no supermercado agora sai por R$ 23,50. Por isso, ele precisou reajustar o preço cobrado dos clientes, pois perder qualidade não é uma opção.
— O cafezinho custava R$ 2 e agora está por R$ 2,50 — diz.
Impacto da cotação em dólar e das mudanças no clima
O café tem seu preço cotado em dólar, e a variação cambial impacta diretamente o preço em real. Além disso, a mudança climática no mundo tem afetado as principais regiões produtoras.
No Vietnã, o segundo maior produtor mundial de café, uma seca histórica seguida por um tufão destruiu parte das plantações. No Brasil, apesar da liderança no mercado global, os cafezais também vêm sofrendo com o clima. Em Pedregulho e Altinópolis, no interior de São Paulo, queimadas devastaram grandes áreas de lavoura.
Num cenário de oferta reduzida e alta demanda, os preços nos supermercados refletem essa combinação. Patricia Lino Costa, supervisora de preços do Dieese, destaca que o aumento é nacional:
— Se olharmos a variação anual, é bastante alta em todas as cidades — diz ela, alertando ainda sobre o ciclo natural do café, em que a produtividade é menor a cada dois anos.
O presidente da cooperativa Minasul, José Marcos Rafael Magalhães, explica que a demanda global por café tem crescido, especialmente na Ásia.
— Na China, o café vem se tornando complementar ao chá. É uma mudança clara no mercado.