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Trabalhador do samba, Moacyr Luz comemora 45 anos de carreira sem dar trégua ao corpo

2 de abril, 2024 / Por: Agência O Globo

Cantor e compositor planeja turnê e dá conta de lançamentos de diferentes discos e composição de drum’n’bass, tudo isso driblando uma rotina que inclui 30 comprimidos por dia: ‘O Parkinson é uma doença danadinha’

Trabalhador do samba, Moacyr Luz comemora 45 anos de carreira sem dar trégua ao corpo
O cantor e compositor Moacyr Luz — Foto: Reprodução/TV Globo

Parceiro de Paulo César Pinheiro (“Saudades da Guanabara”), Aldir Blanc (“Coração do agreste”), Martinho da Vila, Luiz Carlos da Vila, Zeca Pagodinho, Nei Lopes e Wilson Moreira, entre tantos outros grandes artistas que a vida pôs em seu caminho, Moacyr Luz sabe que é, fundamentalmente, um compositor.

Por mais que desafie o próprio corpo para dar voz às suas músicas, em uma roda de samba ou em cima de um palco, como fará esta quarta-feira (3), no Espaço EcoVilla Ri Happy, no Jardim Botânico, no Rio, na estreia do show de comemoração dos seus 45 anos de carreira, quando vai cantar e contar histórias.

— Todo dia tento fazer uma música — diz Moa, entre goles de vinho branco, sorvido com a ajuda de um canudo, numa tarde chuvosa em seu apartamento num prédio na Praia do Flamengo. — Se estou fazendo uma música e de repente engasgo num pedaço, o que eu faço? Ora, chego e falo: “Mas me diga uma coisa, Moacyr Luz, para onde é que você iria?”

São esse humor e o espírito agregador de carioca nascido na Vila Aliança (em Bangu, na Zona Oeste do Rio) — que circulou por toda a Zona Norte antes de ser reconhecido artisticamente — os grandes responsáveis pelo compositor ter conquistado um cartaz que vai além das suas canções.

Moacyr é o cara gravado por Maria Betânia (“Rainha Negra”), Nana Caymmi (“Aquário”) e Zeca Pagodinho (“Vida da minha vida”), para quem mesmo artistas que não o conheciam pessoalmente — como Ivete Sangalo e Simone — se derretiam em elogios. No começo do ano, um encontro com o presidente Lula, no Rio, acabou em abraços e numa confissão, de quem tinha acabado de ouvir “Saudades da Guanabara” (“Lula disse que eu tinha ensinado a ele o que era o Rio de Janeiro!” ).

— Ao longo desses 45 anos, não mexi uma palha da minha maneira de compor, mesmo nessa mudança da minha vida, da chamada MPB para o samba — diz o compositor. — Não faço parte de patota, não sou do grupo de ninguém, uma hora eu estou num lado, outra hora estou no outro. Meu vínculo é com a minha sinceridade, com a minha consciência.

Rotina puxada

Surpreende pensar que, um ano atrás, Moacyr (que completa 66 anos de idade na sexta-feira) tinha acabado de sair de uma internação de uma semana, por causa de um edema pulmonar provocado por insuficiência cardíaca. De lá para cá, ele seguiu com seus shows, com as participações semanais no Samba do Trabalhador (criado por ele há 18 anos), com as gravações e até mesmo com as viagens — na semana retrasada, ele voltava de apresentações em Lisboa e Madri. Uma rotina puxada para quem, além de tudo, ainda vive com o Parkinson.

— Eu trabalho pra caramba, bicho. Estou até sem jeito, porque eu tinha prometido, por causa da minha doença, que este ano eu ia pegar um pouco mais leve. Mas não tô conseguindo — alega ele, que tem virado praticamente outra pessoa quando canta e toca seu violão para o público. — Às vezes eu sinto dores muito fortes no corpo, mas, quando falta um minuto para eu entrar no palco, todo torto, eu consigo subir lá, cantar, e tudo se transforma. Espero não estar pedindo muito do meu anjo da guarda. Eu já pago adicional noturno, salário insalubridade…

O milagre, para Moacyr, tem uma explicação: o canabidiol, que ele tem usado juntamente com tratamentos tradicionais (são uns 30 comprimidos por dia)

— Continuo tremendo, mas me sinto animado, estou mais ativo — comemora ele, que planeja sair em turnê pelo Brasil com o show dos 45 anos de carreira. — O Parkinson é uma doença danadinha. Às vezes não consigo dar nem um passo, mas prefiro acreditar que vou dar sempre dois passos. Fui sozinho para Madri agora, por exemplo. Agora eu uso cadeira de rodas pra chegar até o avião, são quilômetros pra andar no aeroporto. Aí, quando eu vou pegar a cadeira, tem três ou quatro brigando: “Deixa que eu levo o Moacyr!”

Marcelinho da Lua e Fagner

Nos próximos dias, Moacyr trará novidades para o streaming: um volume 2 de seu disco com Paulinho Pauleira (do MPB4) e duas músicas com Marcelinho da Lua (uma delas, um drum’n’bass). Sexta-feira sai o álbum “Orquestra Bamba Social Revisita Moacyr Luz”, do Bamba Social, com dez músicas suas.

Ele ainda tem um disco do Samba do Trabalhador prontíssimo, com 15 faixas inéditas e participações de Pedro Luís, Joyce, Dunga, Marina Íris e Xande de Pilares. E um álbum com Fagner (“Temos 20 músicas juntos”). Isso para não falar de um documentário, da diretora Tarsilla Alves, que vinha sendo feito há três anos e acabou de ficar pronto. Só falta Alcione gravar a música que ele e Zeca Pagodinho fizeram para ela, ainda sem título. Um samba sobre amor complicado, com os versos “tanto esforço fiz por nós/ tantas noites sem dormir/ quantas vezes minha voz/ se calou pra te ouvir”.

É o resultado de uma parceria que já conta cinco composições e que começou quando Moacyr apresentou sua “Toda hora” num dos encontros de Zeca Pagodinho com seus compositores para um churrasco:

— Eu tinha ido na casa do Zeca e tava todo mundo lá. Mostrei a música e ele disse que ia gravar e ia ser a música de abertura do disco “Quintal do Zeca Pagodinho”. No mesmo disco eu acabei gravando “Cabô, meu pai” e o Fundo de Quintal gravou “Vida da minha vida”.

Hélio Delmiro, o mentor

O pai de Moacyr Luz morreu quando ele tinha 15 anos. A mãe se mudou com o garoto da Vila Aliança para a casa da irmã, no Méier. E, lá, ele conheceria um vizinho da tia que mudaria a sua vida: Hélio Delmiro, gênio da guitarra que, na época, fazia parte da banda de Elis Regina, e acabou se tornando uma espécie de mentor. Logo estariam morando juntos.

— Eu tinha 16 anos, era um péssimo aluno, mas para beber eu já era imbatível. E a gente bebeu uma caixa de cerveja inteira, em pé, escutando o disco “Elis &Tom” — conta Moacyr, que recentemente produziu um disco do amigo com o cantor Augusto Martins, pronto para ser lançado. — Uma vez, o Hélio me falou assim: “Vamos fazer uma música para a Sarah Vaughan, porque ela tá louca por mim.” Nós fizemos uma música, o negócio é que não lembro mais dela!

O marco zero da carreira de Moacyr Luz foi sua primeira música gravada: “Eu me descubro”, pela cantora Lana Bittencourt. Violonista em bares de Botafogo que se perderam no tempo, como o Beco da Pimenta e o Manjericão, ele logo chamou a atenção de Nana Caymmi (que gravou sua “Retrós”) e de Elba Ramalho, que pôs “Lembrando você” em um de seus LPs. Em 1983, morando com a mãe na Tijuca, ele conheceu em um show que fazia no bar Erva Doce, no mesmo bairro, o parceiro decisivo de sua carreira: Aldir Blanc.

— Eu bebia conhaque que nem água, e o Aldir falou “vai devagar no conhaque!”. Mas ele também bebia bem. Essa era uma fase da música brasileira em que todo mundo bebia bem, hoje só ficaram eu e Zeca Pagodinho — brinca Moa, ressaltando que se naquela época “bebia industrialmente”, hoje ele bebe como “pequeno empresário”. — Depois do show, eu fui dar uma carona para o Aldir e descobri ali que a gente morava no mesmo prédio. A primeira música que eu fiz com o ele, eu não lembro. Era uma letra quilométrica, que ele botou presa no limpador do para-brisa do carro.

Em 1986, Moacyr Luz começou, com Aldir Blanc, a tentar fazer música para novelas da TV Globo.

— Era o Lenine correndo para um lado e eu correndo por fora. Em 1989, fiz “O coração do agreste”, uma música que me deu um status de compositor de trilha de novela. Passou a ser assim: “Moacyr, a abertura da novela, vê se você consegue fazer aí?” E eu aí eu fiz o “Mico preto”, que o Gilberto Gil gravou — conta. — Fiz umas dez ou 12 músicas para novela, como “Dona de mim”, gravado pelo 14 Bis, e “Instante eterno”, gravado pelo Ivan Lins. Aí eu comecei a achar, com as minhas cismas, que estava muito acomodado. E, com todo respeito às trilhas, fui me afastando, para fazer mais músicas pensando em mim.


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