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ARTIGOS

Um mal silencioso que grita cada dia mais

11 de outubro, 2024

Silvia Cristina Hito, especialista em desenvolvimento humano e organizacional, além de autora do livro “Quem vê cara, não vê o que vai na alma: superando feridas emocionais para viver plenamente com saúde mental”

Um mal silencioso que grita cada dia mais

A Agência Nacional mostra que, a cada 24 horas, ao menos 8 mulheres foram vítimas de violência doméstica em 2023, um aumento de 22,04% de casos em relação a 2022. O 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 também demonstra a piora nos indicadores de violência contra a mulher no país: o homicídio e feminicídio, a ameaça e perseguição, as agressões domésticas, a violência psicológica e o estupro foram as modalidades de violência observadas.

Esses dados são assustadores e infelizmente não retratam toda a realidade das mulheres no país. Quando esses números são analisados, é preciso considerar que muitas vítimas não têm seus casos julgados, se constrangem no momento de denunciar, ou não sabem que sofrem violência.

Justamente essa falta de conhecimento sobre o que é o machismo e de entendimento sobre as questões emocionais fez com que essa cultura se perpetuasse até hoje em nossa sociedade. Atualmente temos dados porque tudo está mudando, mas a violência contra as mulheres é algo que ocorre há séculos – não somente no Brasil. Por isso, muitas pessoas não se dão conta de que estão passando por abusos, outras que estão abusando e a maioria nem percebe que está contribuindo para a continuidade deste sistema.

A cultura machista é perpetuada, por exemplo, quando pais, cuidadores e a sociedade dizem para meninos que “homem não chora”. Ela é mantida quando os obriga a reprimir e julgar comportamentos masculinos ligados à demonstração de sentimentos, emoções ou até flexibilidade corporal para dançar, por exemplo. Quando o menino somente é respeitado e visto como forte e corajoso se ele for rígido e viril, isso é uma crueldade, porque fere e desumaniza os homens tornando muitos deles explosivos, violentos e depressivos.

Imagine esse menino também vendo a violência que sua mãe sofreu de um outro homem que muitas vezes é seu pai? Imagine ter a agressividade como referência de comportamento masculino? Imagine esse menino tendo que reprimir emoções, sentimentos e mecanismos de equilíbrio emocional desde cedo? Quantas feridas e dores emocionais esse menino alimenta dentro de si? Essa cultura machista educou os homens a acreditar que são donos das mulheres e que estas devem se submeter e viver em função de cuidar e servir a eles e ao lar. Os homens não foram criados para serem pai e companheiros (muitos nunca puderam brincar de boneca e casinha).

Por outro lado, as mulheres foram criadas para casar, ter filhos, servir aos homens e à família, sem o direito de ser alguém além dos papéis sociais, sem direito ao menos de descansar. Desde cedo recebemos brinquedos que nos condicionam a este papel de servir. Numa casa onde se tem filhas mulheres e filhos homens, são sempre as mulheres que cuidam de tudo, da casa, da alimentação e até de colocar o prato na mesa e limpá-los depois. Os homens sempre têm tempo para estarem consigo e com os amigos, as mulheres não. Até pouco tempo, muitas mulheres acabavam sendo mães sem ao menos terem a consciência de que realmente tinham dom para essa missão de tamanha responsabilidade.

Mesmo com as mudanças dos últimos anos, em que as mulheres buscam sua autonomia e desenvolvimento no mercado de trabalho, ainda assim elas continuam sobrecarregadas, sofrendo violências, desrespeitos e abusos. Enquanto não curarmos nossas feridas e dores interiores, os índices de violência e os desequilíbrios relacionais-sociais continuarão presentes, pois continuaremos, homens e mulheres, a perpetuar comportamentos machistas.

Silvia Cristina Hito, especialista em desenvolvimento humano e organizacional, além de autora do livro “Quem vê cara, não vê o que vai na alma: superando feridas emocionais para viver plenamente com saúde mental”