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Uma cedilhazinha

3 de julho, 2023

Às vezes eu acho que tenho um potencialzinho para obcecar com um tema. Digo assim na chave da intimidade, a gente já se conhece há […]

Uma cedilhazinha

Às vezes eu acho que tenho um potencialzinho para obcecar com um tema. Digo assim na chave da intimidade, a gente já se conhece há um tempão. E já que comecei a abrir o coração, aproveito pra confessar uma outra dificuldade importante, no sentido de grave. Pra mim, escrever obsessão, obcecado, obsessivo é difícil demais da conta. Parece que tá sempre errado, faltando um s, sobrando um c, pedindo pelo amor por uma cedilhazinha.  Isso pra uma analista é meio punk, né não? Já ouvi e escrevi essas palavras um milhão de vezes. Será que é um vício, no erro. Uma obsessão?

Não sei, só sei que ando sempre com uma pauta muito bem acomodada no primeiro lugar do meu pódio de interesses. A bicha fica lá se espalhando, tomando força, se metendo em tudo que é tempo da minha vida. Cada hora, uma coisa. A da vez é a hot Yoga. Assisti ao documentário do Bikram? Assisti, coisa horrível. Mas não dou dinheiro pra ele não. A escola que eu frequento não é oficial, graças a deus. Comecei indo duas vezes por semana, enfiei um sábado, depois um domingo, um todo dia até que hoje, fiz três aulas – seguidas. Tô só o pó.

Tem gente mais aplicada/criteriosa do que eu. Já mapeei o esquema. É assim, são 5 modalidades de aula – eu vou pra qualquer uma, a que encaixar na agenda do consultório – mas o povo escolhe uma modalidade e cola nela, não falta nenhuma aula, obedece a uma sequência. Fui entender esses dias.

Quinta-feira fiz pela primeira vez, uma modalidade que prometia ser leve. Um número menor de posturas sustentadas por mais tempo, os aquecedores desligados, tudo feito com luz baixa e olhos fechados. Na explicação inicial, o recado de que liberaríamos as articulações e os sentimentos, ou algo parecido com isso, porque a coisa é toda muito suave e não se fala, se sussurra e eu não escuto bem então não tenho certeza. Mas rapaz, teve uma hora que eu tava lá, há dias, num alongamento doído, mas doído de um jeito estranhamente bom, só que ruim, só que bom; foi me dando uma comoção, um preenchimento e um esvaziamento ao mesmo tempo. E o sussurro bem baixinho dizia pra deixar entrar o ar, tomar todo o pulmão e depois o tórax, e as pernas e os braços.

O ar que quando saia carregava consigo as expectativas, as preocupações, o que não cabia no corpo. O sussurro cada vez mais baixinho e ainda assim cada vez mais compreensível. Sei lá, eu tive uma sensação tão grande de que eu ia chorar uma lágrima pra frente e não pra baixo, sabe? Uma lágrima meio mangueira quando a gente põe o dedo na saída pra água sair forte. Aquilo foi me pegando com uma força. Tive quase um medinho.

A terceira aula de hoje foi essa de novo. Eu meio relaxada, meio tensa com a lágrima mangueira. A aula já chegando no final, a gente deitou, fez perna de borboleta e a professora veio com um bloquinho entre as clavículas de cada aluno, um negócio que abria o peito e os ombros, todo mundo respirando junto, aquele barulho de mar, de ar, de água. Pois eu quase choro pra cima, na direção do teto. Que coisa maluca. Só que dessa vez, eu não tive medo não, torci pra que acontecesse de verdade. Bem, pra mim aconteceu, vi a cena todinha na minha cabeça. Uma cedilhazinha ao contrário. É ou não é de obçecar? Revisor, por favor, não corrige meu obcecar, ficou tão bonitinho;) Boa semana, queridos.

 

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quemmandaaquisoueu – Verdadesinconfessàveissobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…

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