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Andrógino e o Simbolismo da Integração
24 de abril, 2021O mitólogo Joseph Campbell esclareceu que as narrativas míticas são formas metafóricas, alegóricas, criadas pelos nossos ancestrais. Por meio dos mitos, os povos primevos procuravam […]
O mitólogo Joseph Campbell esclareceu que as narrativas míticas são formas metafóricas, alegóricas, criadas pelos nossos ancestrais. Por meio dos mitos, os povos primevos procuravam explicar a causa primeira e o sentido da existência humana. Os seres humanos são criaturas mitificadoras. Criamos narrativas míticas para demonstrar autoconhecimento e dar sentido à vida. O mito é um espelho das nossas angústias e das nossas utopias.
Andrógino é uma palavra grega que significa, literalmente, masculino-feminino. Em sua obra O Banquete, o filósofo grego Platão conta que os andróginos eram seres míticos que tinham características sexuais masculinas e femininas. Homem e mulher numa única pessoa. De acordo com o mito, pelo fato de serem perfeitos, o todo poderoso e ciumento Zeus os puniu cortando-os ao meio. Hoje, essas metades são pessoas, homem e mulher que sofrem por sua incompletude e procuram a sua “metade” perdida. O mito revela a angústia da solidão e a utopia de encontrar a “alma gêmea”. Isso explica o dilúvio dos aplicativos de relacionamento que estão encharcando as sociabilidades contemporâneas. Cumprindo a profecia de Vinícius de Morais, paradoxalmente, parece que no lugar da promessa do encontro, a experiência dos aplicativos tem oferecido o seu oposto: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.
O fundador da Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung, bem como os membros dessa escola, interpretaram o mito da androginia, entendendo-o como uma manifestação simbólica da condição da psique humana: todo homem transporta no seu inconsciente um princípio feminino e toda mulher, inversamente, um princípio masculino. A parte feminina de um homem e a parte masculina de uma mulher constituem, nas palavras de James Hollis, ‘os parceiros invisíveis’ em qualquer relacionamento homem-mulher.
É comum termos em nossa alma o oposto do que exibimos em nossa persona (máscara) social. Porém, esse oposto complementar está escondido. É o que Jung chama de ‘aspectos sombrios’ que, muitas vezes, são acessados no derradeiro encontro apaixonado. Ou rejeitamos ou arrebatamos.
A utopia inconsciente mais profunda, manifesta no mito do andrógino, é restaurar a perdida unidade primeva, em que masculino e feminino estariam em harmonia. Assim, a grande busca da humanidade é não só a reunificação entre os sexos, mas também a reunificação dos princípios masculino e feminino, dentro de cada um de nós.
O andrógino é aquele que não reprime as características que convencionalmente pertencem ao sexo oposto, como por exemplo, a sensibilidade e a perda do medo do afeto, no homem; e a inteligência criativa na mulher. Só é andrógino aquele que é capaz de reunificar os opostos dentro de si: o masculino e o feminino, a atividade e a passividade, mente e corpo. Em outras palavras, a antológica canção de Gilberto Gil: “o super-homem restituindo a glória, mudando como um Deus o curso da história, por causa da mulher”.
JORGE MIKLOS
Analista Junguiano e Sociólogo. Graduado em História e Ciências Sociais. Especialista em Psicologia Analítica. Mestre em Ciências da Religião e Doutor em Comunicação Social. Coordena uma pesquisa sobre as masculinidades contemporâneas.