VARIEDADES

Brian Tyree Henry, de ‘Ladrões de drogas’: ‘Sempre senti que minha existência era um inconveniente’

17 de março, 2025 | Por: Agência O Globo

Em filme ao lado de Wagner Moura, ator americano diz se identificar com papéis de homens ignorados e mal julgados: ‘Ele é uma pessoa muito espiritual’, define o brasileiro

Brian Tyree Henry e a necessidade de liberdade: “Eu era o garoto fujão. No minuto em que aprendi a andar e soltaram minha mão, eu corri”. Foto: Reprodução / Instagram

Brian Tyree Henry fez sua estreia profissional como ator em 2007, como Tybalt, em um brilhante “Romeu e Julieta”. Mais papéis no palco se seguiram, com um salto ágil para a televisão, em “Atlanta”, e uma virada para o cinema. Eu vi tudo (exceto “Godzilla vs. Kong”). Por isso, não consigo explicar como passei tanto tempo em uma sala de jantar de hotel quase deserta me perguntando onde estava Henry — e ele estava a uns seis metros de distância, de óculos e boné de beisebol com um grande B.

Henry, 42, um ator de textura, vigor e graça extraordinários, é alto e relativamente largo. Que ele possa desaparecer em papéis é seu dom, sua arte. Mas para um homem que passou a vida lutando para ser visto, que luta para sentir que pertence aos lugares onde vive, isso também traz um tipo de dor.

— Nem você me conhecia de óculos — ele disse. — Sempre há algo que as pessoas estão esperando. Eu entro e elas dizem: “Bem… não é isso que queremos.” E eu fico tipo, bem, é isso que eu sou.

Henry está mais difícil de ser ignorado. Na sexta-feira, “Ladrões de drogas”, que traz a primeiro grande atuação de Henry na telinha, estreou na Apple TV+. Baseado em um romance de Dennis Tafoya, a série trata de um pequeno vigarista da Filadélfia chamado Ray Driscoll (Henry) que se passa por um agente da DEA para roubar esconderijos locais.

Henry, que acredita que Hollywood nunca o viu como um protagonista de séries, foi atraído de forma incomum por Ray. Mas, para interpretá-lo, teve que lutar contra suas próprias inseguranças, a sensação teimosa de que ele não merece ser a estrela:

— Eu costumava lutar contra essa coisa o tempo todo. Sempre senti que minha existência era um inconveniente para muitas pessoas.

No entanto, essa batalha permite que ele traga profundidade incomum a homens como Ray — homens que são ignorados, mal julgados, inconvenientes. Há Alfred, o traficante de drogas e rapper em ascensão em “Atlanta”; Daniel, o condenado injustamente em liberdade condicional em “Se a Rua Beale falasse”; James, o mecânico enlutado em “Causeway”.

Redenção

A abordagem de Henry para atuar é orientada por uma missão, até mesmo espiritual. Ele assume esses papéis para argumentar sobre o valor desses homens, mostrar seus corações. É uma espécie de redenção para os personagens e para Henry:

— Eu os conheço. Nunca posso esquecê-los. Mesmo que eles sintam que são inconvenientes, eles não são.

Pessoalmente, Henry é pensativo, deliberado, dolorosamente honesto. Seu rosto em repouso é sério e sonolento — um tipo de exaustão profunda conecta muitos de seus personagens —, mas às vezes esse rosto se dissolve em um sorriso infantil.

Ele foi criado em Fayetteville, na Carolina do Norte, sendo o irmão muito mais novo de quatro irmãs. A casa era lotada, e Henry se considerava indesejado, um incômodo. Ele estava determinado a crescer o mais rápido que pudesse:

— Eu era o garoto fujão. No minuto em que aprendi a andar e soltaram minha mão, eu corri.

No Morehouse College, em Atlanta, que ele escolheu principalmente por causa de uma cena em “Boyz N The Hood”, ele se matriculou como um estudante de Administração. Mas amigos o persuadiram a fazer um teste para uma produção de “Antígona” na Faculdade de Spelman. Ele conseguiu o papel principal. Mais tarde, professores visitantes o persuadiram a se inscrever na pós-graduação. Henry foi aceito na Escola de Drama de Yale:

— Fiz isso porque estava salvando minha vida. Isso me deu um lugar para me sentir livre.

Em Yale, numa produção de “As Três Irmãs”, de Tchekhov, ele foi escalado como uma árvore. Em seu segundo ano, garantiu um papel principal em um show no Yale Repertory Theater, uma raridade para um estudante de teatro, mas ele sentiu que seus colegas não notaram ou se importaram.

Em seu último ano, uma produção estudantil de “The Brothers Size”, de Tarell Alvin McCraney, teve uma breve exibição no festival Under the Radar. Sua performance de Oshoosi, um homem recentemente libertado da prisão, chamou a atenção do diretor de teatro Michael Greif, que o contratou para “Romeu e Julieta”.

A carreira como ator profissional havia começado.

Sanduíches de mortadela

Os anos seguintes foram difíceis e maravilhosos. Henry morava no Brooklyn e dependia de vale-refeição e sanduíches de mortadela, mas ele estava fazendo o que amava. A segurança financeira veio em 2011, com um papel no musical da Broadway “The Book of Mormon”. Mas mesmo tendo permanecido no show por três anos — ele estava na Broadway! —, Henry raramente se sentia confortável. Não se considerava um ator de teatro musical e sentia que suas contribuições não eram reconhecidas:

— Eu sabia que estava deslocado. Estava em uma casa de teatro que não reconhecia quem eu era.

Em 2014, ele saiu, arriscando-se na televisão e no cinema. Fez um teste para “Atlanta”, comédia da FX criada por Donald Glover. Filosófica, surpreendente e misteriosa, “Atlanta” se tornou a queridinha da crítica. Houve um entusiasmo particular por Alfred, de Henry, um traficante que também é o promissor rapper Paper Boi.

Henry estava inquieto, mas interpretar Alfred parecia importante — ele queria mostrar sua alegria, seu medo, sua ternura, para fazer as pessoas se importarem com um homem que elas poderiam ter rejeitado.

— Brian entendeu que há complexidades e camadas nas pessoas — disse LaKeith Stanfield, sua colega de elenco em “Atlanta”.

Indicações ao Emmy

Quando “Atlanta” terminou, em 2022, Henry havia feito filmes sérios, como “Se a Rua Beale falasse”, dirigido por Barry Jenkins, e mais pipoca, como “Godzilla vs. Kong” e “Trem-bala”. Ele tinha duas indicações ao Emmy em seu currículo — uma por “Atlanta”, a outra por uma participação especial em “This is us”. Em 2023, ele recebeu sua primeira indicação ao Oscar, por “Causeway”, no qual interpretou um mecânico de Nova Orleans, um amputado que faz amizade com uma veterana (Jennifer Lawrence) com uma lesão cerebral traumática.

Quando “Ladrões de drogas” surgiu, ele ficou assustado — tudo parecia muito pessoal, muito revelador.

— Ray me assustou muito. Não havia onde me esconder — disse Henry.

Mas isso também fazia parte da atração. No decorrer da série, Ray, outra criança inconveniente, cura seu relacionamento com seu pai. Henry, que estava afastado de seu pai, acreditava que isso poderia ser pessoalmente catártico. E a chance de ser a estrela não era algo que ele poderia ignorar:

— Lembre-se: eu interpretei uma árvore.

Henry não entende totalmente o que faz, os poços profundos dos quais ele tira para cada papel. Wagner Moura, seu colega de elenco em “Ladrões de drogas”, observou um pouco desse processo.

— Ele é uma pessoa muito espiritual; presta atenção a sinais e coincidências — disse Wagner. — Ele é muito conectado ao seu eu interior. Parece muito intenso.

Mas tudo também era um prazer, observou Wagner Moura. Henry deixava essa intensidade de lado no momento em que uma cena terminava e voltava ao seu eu mais gentil. Henry repetiu isso:

— Quero que as pessoas saibam que é isso que eu sou, para garantir que as pessoas possam realmente ter vislumbres de quem é Brian.

Enquanto isso, haverá mais papéis a desempenhar, mais homens a redimir, mais razões para provar a si mesmo que ele pertence à vida que ele construiu, para ampliar essa vida.


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