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Comunicação & Problemas

11 de maio, 2021

O impeachment natural e o lugar da educação   Privilégio e limite Comissões parlamentares de inquérito, por suposto, são entes de investigação e privilegiados ao […]

Comunicação & Problemas

O impeachment natural e o lugar da educação

 

Privilégio e limite

Comissões parlamentares de inquérito, por suposto, são entes de investigação e privilegiados ao investigar sob respaldo do Poder Legislativo – e da Lei, evidentemente.

A Cpi da pandemia tem este caráter e benefícios adicionais na cobertura copiosa na imprensa, sob ávido interesse da opinião pública.

Padece, porém, de intrínseca fragilidade se lhe é vedado ouvir diretamente o (vá lá) principal suspeito de agravar a tragédia que se abateu sobre a nação e provocar mais desastres no caminho: cpis não podem inquirir o presidente da República.

Poder desgastado

Pudesse a Comissão convocar Bolsonaro, submetê-lo à inquirição dos senadores, seu poder que sonha imperial esvair-se-ia em poucas semanas. Imagine-se o tosco ex-tenente, que durante 27 anos na Câmara dos Deputados permaneceu obscuro até entre seus pares do ‘baixo clero’, sob o fogo dos membros da Cpi, alguns deles testados em muitos mandatos e embates. Seria um massacre, e o impeachment a consequência natural do vexame.

Negação e achismo

Apesar dessa limitação, os adeptos do governo na Cpi sofrem enorme desconforto, a dizer o mínimo. Esforçam-se para defender o indefensável, sabem que o chefe desde sempre potencializa a pandemia com sua ignorante, persistente negação da grave emergência e teimosa recusa em enfrentá-la com fulcro e apoio na ciência.

Isso apesar das recentes experiências mundo afora, com exemplos a mostrar o que fazer e não fazer e das recomendações de seus dois primeiros ministros da Saúde, que Bolsonaro afastou por não cederem a seu ‘achismo’; demitiu um, o que declarara que “médico não abandona paciente” e do outro exigiu o que não poderia dar, forçando-o bater em retirada.

Réu confesso

Tudo é sabido, compreendido pela sociedade e atestado em fartos testemunhos e documentos: há vídeos e registros em redes de mídia nos quais o presidente, réu confesso, faz pouco da ameaça, para ele uma “gripezinha”; sabota as ações preventivas, provoca aglomerações, desdenha as máscaras, o distanciamento entre as pessoas e convoca-as a ir pra rua, contaminar-se e ensejar a tal ‘imunidade de rebanho’, que só se atingiria (talvez…) após centenas de milhares de mortes.

Impeachment natural

Neste contexto o papel da Cpi, mais até que investigar, é reunir, organizar evidências, afastar ações diversionistas, demais tentativas de melar o jogo e centrar-se na conformação de conjunto coerente de fatos, circunstâncias – tudo o que já existe e é suficiente, percebe-se, para configurar crimes de responsabilidade (e outros, de lambuja) do presidente da República.

Mais que aspiração difusa da sociedade, projeto político da oposição, assim o impeachment será consequência do processo, desdobramento natural e inevitável dos erros e crimes do ex-tenente medíocre ao qual só resta voltar ao anonimato do qual jamais devera ter saído.

Depois de curtir prisão por seus crimes, ça va sans dire.

Sim, ele sabia

Escrevi há pouco que os defensores do governo estão desconfortáveis na Cpi mas reformulo, estão muito pior que isso. Já no primeiro depoimento, o do ex-ministro da Saúde expelido porque fazia a coisa certa, explodiu em seu colo um petardo de alto poder destrutivo: a carta em que Mandetta alertou Bolsonaro da tragédia que provocaria caso insistisse em negar os perigos aportados pelo SarsCov-2 e as medidas conhecidas para atenuar o desastre.

Ficou assim estabelecido que o presidente sequer pode alegar ignorância de quão alto era o risco que não quis prevenir.

Se dá pra chorar, …

Além de bombas, a turma de Bolsonaro na Comissão foi atingida por episódio ridículo só possível nestes tempos de mediocridades no poder.

Sofreu-o diretamente o senador Ciro Nogueira, um dos cardeais do Centrão e do Congresso que, pouco à vontade e talvez por isso titubeante, à guisa de pergunta leu um arrazoado para supostamente constranger o ex-ministro Mandetta.

Que nem gastou muito tempo em replicar, bastou-lhe revelar que recebera por engano, na véspera, aquele mesmo texto, enviado por um dos ‘instrutores’ mobilizados pelo governo para municiar seus defensores (coitados!…).

…dá pra rir

Creio que Billy Blanco não se importaria se inverto o primeiro verso de seu belo samba Canto chorado, para aplicá-lo ao caso:

O que dá pra chorar, dá pra rir; questão só de peso e de medida […].

Tudo errado…

Arrogante, inábil, ignorante, inoportuno – poucas vezes uma pessoa terá merecido tantos apodos (haveria mais) por um único feito.

Não, não falo de Bolsonaro, embora os atributos bem lhe digam respeito, mas do ministro Ricardo Sales, que a tudo fez jus ao falar à Câmara dos Deputados na segunda-feira passada.

…e muito mais

Vez nenhuma, de que me lembre, terei assistido a posicionamento tão infeliz, na façanha de juntar em mesmo discurso a arrogância do ignorante, que se escuda na agressividade por nada ter a dizer, com a total inabilidade em debater, conversar que fosse com os parlamentares. E tudo fora de hora e lugar, quando o governo a que serve precisa desesperadamente de respaldo, no Congresso inclusive, para que alguém acredite na mensagem pró sustentabilidade que tenta passar ao mundo.

Não soube onde

A revelar plena ignorância (mãe da arrogância) quanto a vacinas, sua importância e o que ocorre em sua produção e mercado neste momento crítico da pandemia, o ministro Paulo Guedes disse bobagem pouco percebida na imprensa.

Foi quando menosprezou as vacinas da China (da qual ainda disse que “inventou o vírus”) para enaltecer a que seria “dos Estados Unidos”, hoje produzida pela farmacêutica Pfizer em vários lugares do mundo, inclusive com insumos indianos e…chineses.

Acontece – Paulo Guedes ‘ouviu o galo cantar mas não soube onde’ – que o imunizante de seus sonhos foi criado na Alemanha por instituição de pesquisa, a Biontech, pertencente a um casal de imigrantes turcos.

Lugar da educação

Resgato, por oportuna, observação de Demétrio Magnolli que me impressionou, registrei em outubro ou novembro do ano passado e sei lá por que não comentei em cima do lance. Fê-la Magnolli, assim meio en passant no programa GloboNews em Pauta, a comentar bela foto de crianças que voltavam às aulas após longa e rigorosa quarentena na África do Sul.

“Lá, como na Nova Zelândia e Coréia do Sul – afirmou –, a educação saiu na frente na retomada das atividades, enquanto no Brasil vem por último. Isto quererá dizer alguma coisa.”

Cegueira voluntária

Dirá muita coisa, sim, de nossa cegueira (voluntária!) ante o papel da educação e particularmente da escola, seu lugar preferencial na infância, adolescência e juventude dos educandos. Lugar que ao se fechar, sobretudo aos alunos da rede pública, causou danos ainda não precisamente avaliados mas já se sabem enormes, na medida em que a maioria dessas crianças e jovens carece de meios adequados a aulas remotas.

E há algo mais, diria, prosaico se não fosse cruel: para muitos deles e delas a merenda escolar é única refeição decente de cada dia.

A luta é outra

Alguns sindicalistas dos trabalhadores da educação equivocam-se ao recusar a volta às aulas, quiçá aferrados ao conceito de que é preciso aproveitar cada ensejo apresente-se para incentivar a luta de classes – no caso professores versus seus patrões, no setor público ou privado.

Não discuto aqui a tese, mas a oportunidade de aplicá-la nesta quadra; nisso valho-me de outro conceito doutrinário que me parece mais abrangente e haverá de prevalecer sobre os embates entre capital e trabalho: os interesses fundamentais da maioria, quer dizer, do conjunto da sociedade vis-à-vis os de uma categoria profissional, mais meritórios sejam.

Tem mais boiada

E por falar em equívocos na área, convém atentar às propostas de instituir sem suficiente discussão a chamada ‘escolarização em casa’, ainda por cima a valer-se horrível anglicismo. Trata-se de movimento oportunista, que alardeia suposto êxito das aulas compulsoriamente remotas sob a covid-19 (êxito nenhum, só um quebra-galho) para fazer passar outra ‘boiada’, essa por sobre a escola e a educação.

Artilharia metafórica

A cada asneira expelida por quem não sabe o que diz, mal resisto à tentação de parodiar sentença atribuída a Goering ou outro maioral nazista, conforme a versão (sabe-se que foi dita, com múnus satírico, em peça teatral libertária, das últimas encenadas na Alemanha antes que descesse o pano do obscurantismo):

“Toda vez que ouço falar em cultura tenho vontade de sacar minha Browning”.

Pois é: dá vontade de perfurar com projetis metafóricos essas crâneos petrificados, a arejar-lhes os miolos para que respirem fora da bolha.

Da academia

Registro e agradeço, penhorado as manifestações de dois brilhantes acadêmicos – tão diferentes de Paulo Guedes! – sobre a anterior edição desta coluna, a de 1º de maio.

O pernambucano Sérgio Alves (já terá regressado das aventuras intelectuais além-mar?) honra-me ao eleger aquelas escrevinhações “uma síntese precisa das mazelas em nossa república de Macunaíma.”

Já o chileno Neantro Saavedra-Rivano, vindo do Japão para nossa UnB, dá-me respaldo e agradece (ora!, por quem sois…) “a excelente comunicação que me fez descobrir o linguista Daniel Everett. Pesquisei a biografia e achei admirável a honestidade intelectual e mente aberta de um verdadeiro cientista.”

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])