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26 de julho, 2021

O vexame diplomático e os jabotis do coronel   Missão quase incógnita A imprensa em geral ‘comeu mosca’, os analistas fizeram cara de paisagem e num […]

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O vexame diplomático e os jabotis do coronel

 

Missão quase incógnita

A imprensa em geral ‘comeu mosca’, os analistas fizeram cara de paisagem e num primeiro momento passou em branco o real motivo da visita do vice-presidente da República a Angola entre os dias 14 e 17 deste mês, algo meio improvisado e com escassa informação oficial do que lá iria fazer o general Mourão. O pretexto, sabia-se, era participar de encontro da Comunidade dos Povos de Expressão Portuguesa, de cuja agenda nada se falou. E só a quarta-feira (21) a missão rendeu notícia oficial – aliás lacônica, a sinalizar insucesso.

Mudou; melhorou?

Menos mal que César Fonseca, jornalista que não deixa ponto sem nó, informara em cima do lance o novo vexame protagonizado pela, vá lá, diplomacia ‘presidencial’ brasileira. Geradora de trapalhadas em série desde o início do governo Bolsonaro, pensáramos superada a infeliz etapa desde que a opinião pública e o Congresso livraram o Ministério das Relações Exteriores daquele diplomata neófito e apedeuta, o que se declarou feliz em ser “um pária” no concerto das nações e colocou o Brasil na mesma condição. Tampouco o general Mourão saiu-se melhor, o que indicaria que a situação está longe de melhorar no Palácio dos Arcos.

Diplomacia religiosa

O atual ministro das Relações Exteriores esforça-se em passar despercebido, um avanço em relação ao antecessor percebido até demais. Entretanto o novo chanceler exagera a dose e de tanto se esmerar na discrição chega a beirar a irrelevância. Enquanto isso o general Mourão, que bem ao contrário não se conforma no ostracismo em que o desejam Bolsonaro e sua turma, parece ter caído em esparrela ao aceitar tarefa pra lá de controversa, engendrada pela ‘bancada da bíblia’ (assim mesmo, com a inicial minúscula a que a confinam seus integrantes), talvez costurada por aquele assessor bolsominion flagrado a divulgar emblema de supremacia branca às costas do presidente do Congresso.

Missão inglória…

O vice-presidente recebeu de Bolsonaro a incumbência, revela César Fonseca, de salvar do opróbio a seita do bispo Edir Macedo e da prisão (no mínimo expulsão) os pregadores que mandou para Angola. Consta que a organização comercial e midiática batizada por Macedo ‘Igreja Universal do Reino de Deus’ foi apanhada em conspiração, corrupção e exploração da boa-fé popular, em conluio com um governo conservador que perdeu apoios, o poder e foi sucedido pelos opositores que decidiram acabar com a farra.

…terminou em desastre

Diante disso Mourão tentaria obter do presidente angolano gestões para que a Justiça não fosse demasiado severa com os pupilos do bispo Macedo e acolhesse um grupo de parlamentares evangélicos brasileiros, que negociariam socorro aos confrades. Conseguiu nada do pretendido.

(Recomendo leitura do artigo de César, “Desastre diplomático de Mourão desmoraliza Exército e Itamaraty”; está no site 247, acessível em https://www.facebook.com/247/cesar.fonseca).

Vexame e lição

Enquanto isso não resisto ao spoiler: a par de quase clandestina, impiamente religiosa e diplomaticamente desastrada, a missão do vice Mourão resvalou no vexame – narra Fonseca. O presidente João Manuel Lourenço, herdeiro do Movimento Popular de Libertação de Angola e de Agostinho Neto, líder da revolução que criou a nova nação, considerou impróprio receber congressistas brasileiros (talvez os parlamentares de Angola queiram convidá-los, teria vagamente comentado). Mais, recusou com ênfase o pedido de aliviar a barra dos pastores e admoestou o emissário com diplomática mas contundente lição de obediência ao estado de direito: nem mesmo em nome das boas relações com o Brasil, que o Executivo angolano cultiva com denodo, poderia afrontar a autonomia de outro poder do estado.

Pés pelas mãos

César Fonseca aflora importantes antecedentes da história angolana que convém estender um pouco porque informa, até condiciona o atual affaire pentecostal-diplomático. É que a voluntariosa diplomacia ‘presidencial’ de Bolsonaro, certo sem ouvir os competentes quadros do Itamaraty e diante da, dir-se-ia, extrema discrição do chanceler (qual é mesmo o nome dele?), meteu os pés pelas mãos e ignorou as circunstâncias políticas vigentes em Angola.

Sabem nada

Os estrategistas(?!) da ‘diplomacia’ palaciana não sabem, por exemplo, que o presidente Lourenço é continuador do processo de libertação nacional que, bem sucedido na década de 1970 por seus próprios méritos e impulso decisivo da Revolução dos Cravos em Portugal, ex-metrópole que só então abandonou veleidades colonialistas, logo teve contra si uma aguerrida contrarrevolução apoiada pelos vizinhos Namíbia e África do Sul, ainda submetidos ao apartheid.

Único apoio

Na sangrenta guerra civil subsequente o poder branco, ainda forte e ameaçador, mereceu o silêncio obsequioso de Europa e Estados Unidos, respaldo reticente da (ainda) União Soviética, apoio diplomático formal e, na prática, omissão conivente de vários governos do Brasil e suporte decidido de uma única nação: Cuba, que enviou tropas e assessores militares que ajudaram aos angolanos derrotar a rebelião e consolidar a independência.

Arrogância e agravo

Ademais, já durante o conflito e nos anos seguintes, o governo de Fidel ajudou a jovem república em relevantes ações sociais, sobretudo em saúde e educação. Sucessivos governos em Luanda cultivaram a natural simpatia popular pelos cubanos que os socorreram quando sua revolução ameaçava soçobrar, e isso não se alterou sob um recente e impopular governo avesso ao Mpla – justo o que acolheria as incursões da turma do bispo Macedo. O qual, na função nada piedosa de dono e mentor de rede comercial de Tv, somou agravo à arrogância ao imiscuir-se na política local, divulgando a partir do Brasil e repercutindo em África e Europa informações jamais confirmadas de corrupção no partido dominante em Angola.

Ressurreição suspeita

Ajudou em nada a missão do vice-presidente em Luanda a indicação do bispo Marcelo Crivella, sobrinho e segundo de Edir Macedo em suas empreitadas comercial-religiosas, para embaixador na África do Sul.

É esse o mais importante posto diplomático do Brasil naquele continente e a proeminência conferida a Crivella justo em nação vizinha a Angola, com a qual mantém múltiplas relações, interesses e também conflitos, passa recado nada amistoso a Luanda. Ainda mais se o personagem em questão, que fora ministro anódino do governo petista e haveria de encerrar desastrosa e merecidamente a carreira como o pior dos prefeitos que já infelicitaram o Rio de Janeiro, não terá sido ‘ressuscitado’ de graça e justo em Pretória.

Que jaboti é esse?

– Que negócio é esse de ‘jaboti’ – invectiva-me Mário Arcanjo , você acha que todo mundo conhece as gírias e chavões dos políticos e dos jornalistas?

A crítica procede, a imprensa deu por certo que a palavra ‘jaboti’, além de nomear o inocente, paciente animalzinho, tem significado próprio no jargão parlamentar. Como a antecipar a pergunta de meu estimado e crítico leitor, Elio Gaspari ofereceu resposta parcial em sua coluna na Folha de S. Paulo de domingo, 27.06 – Arcanjo escrevera-me na manhã do mesmo dia.

O coronel e a bossa nova

Gaspari informou que a expressão foi cunhada por Vitorino Freire, político maranhense da velha (e má) estirpe dos ‘coronéis’, governador, deputado e senador em vários mandatos.

Ao insurgir-se contra ele e seus métodos na década de 1950 despontou, contraponto regional, um jovem político chamado José Sarney, que integrava movimento renovador em seu partido – a conservadoríssima União Democrática Nacional – chamado ‘bossa nova’ udenista.

Além de Sarney destacavam-se no grupo o paraense Ferro Costa, o sergipano Seixas Dória, o fluminense (do então Distrito Federal) Afonso Arinos Filho, o mineiro José Aparecido.

Coronéis e renovação

O Psd (Partido Social Democrático), igualmente conservador e criado por Vargas para acolher velhos ‘coronéis’ aliados, também se permitia incursões modernizadoras e prestigiava sua assim chamada ‘ala moça’, entre cujos expoentes estiveram o baiano Vieira de Melo, o paraibano José Joffily, os mineiros Carlos Murilo e Ibraim Abi Ackel.

Os quatro foram importantes aliados de quem viria a ser o principal líder pessedista, Juscelino Kubitschek, mais afeito aos ‘moços’ que às velhas ‘raposas’ fundadoras: Benedito Valadares, José Maria Alkmin, Nilo Coelho, Ernâni do Amaral Peixoto, Francisco Negrão de Lima e até um antigo chefe-de-polícia da ditadura Vargas, Filinto Muller, na velhice um moderado e respeitado negociador.

Herdeiros renovadores

Interessante desdobramento histórico, três ilustres parceiros e herdeiros daqueles matreiros ‘coronéis’ da política seriam decisivos em outro movimento renovador, já então para restaurar a democracia suprimida na era dos generais (1964–85): Ulysses Guimarães, Marco Maciel e Tancredo Neves. Vale o registro para quem teima em examinar ações e atitudes de políticos do passado sob óticas de hoje: as felpudas ‘raposas’ do antigo Psd conformaram meios e modos de agir politicamente, negociar, buscar consensos ou compromissos, saídas possíveis quando declarados os impasses. É esse aprendizado que precisamos resgatar, nestes estranhos tempos que vivemos.

Compactos e comunistas

E para não ficar atrás o Ptb, Partido Trabalhista também criado por Getúlio Vargas (e ao qual se filiou) reuniu parlamentares quase todos jovens num grupo batizado ‘compacto,’ sob distante liderança de João Goulart e que seria integrado, em diferentes momentos, por parlamentares, ministros e governadores como Batista Ramos, Osvaldo Lima Filho, Armando Monteiro, Santiago Dantas, Leonel Brizola. Entre eles figuravam também políticos originalmente filiados ao Partido Comunista Brasileiro, na época proibido de existir formalmente, a que o Ptb oferecia legenda.

Quem foi?

Ah!, sim: o jaboti. A frase completa do senador Vitorino Freire era mais ou menos assim:

“Se você encontrar jaboti em cima da árvore nem se preocupe com o que faz; pergunte só quem o botou lá, que jaboti não sobe em árvore.”

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])