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Comunicação & Problemas

28 de janeiro, 2021

O presidente acuado e as vacinas que tardam   Truque primário Curiosa inversão de valores: quem decide se há democracia ou ditadura são as Forças […]

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O presidente acuado e as vacinas que tardam

 

Truque primário

Curiosa inversão de valores: quem decide se há democracia ou ditadura são as Forças Armadas, acha Bolsonaro.

Então, tá.

E passemos a outro assunto; o presidente assustado falou isso, a propósito de nada, só para desviar a atenção da opinião pública de mais desastres provocados por seu desastrado, desastroso governo.

É um truque primário que o ex-capitão terá descoberto meio por acaso: boquirroto impenitente, em alguns meses de poder deu-se conta (ou alguém por ele) de que cada uma de suas destrambelhadas manifestações provoca reações indignadas e a mais recente acaba por obscurecer as anteriores.

De quebra, todas tiram do foco seus muitos erros e omissões.

Pescando em aquário

Até funcionou um tempo, mas a imprensa percebeu a manobra e agora atribui a tais despautérios o grau de importância que têm: zero.

Por razões análogas repórteres deixaram de frequentar um os principais palcos das pantomimas de Bolsonaro, os ‘cercadinhos’ na portaria do Palácio da Alvorada onde costuma deliciar-se com as bajulações de apoiadores-raiz, adrede convocados e amestrados.

Nessas ‘pescarias em aquário’ ele comprazia-se em falar mal da imprensa, agredir verbalmente e até ameaçar jornalistas, contra os quais açulava ensaiada indignação dos ‘bolsominions’.

Esse gostinho, pelo menos, ele perdeu.

Estado de defesa?!

Não perdeu foi a ajuda de um aliado que não frequenta tais encenações mas nem por isso é menos útil, em sua posição no Ministério Público. 

Instado a avaliar o desempenho do governo no enfrentamento da pandemia, investigar-lhe os erros e motivações o procurador geral da República emitiu nota, consta que de próprio punho, na qual afirma que a iniciativa tem nada a ver com ele, compete ao Legislativo.

Pior, fez referência extemporânea à possibilidade de decretação (pelo Executivo) de ‘estado de defesa’, medida que a Constituição prevê, localizadamente e por tempo determinado, em circunstâncias de grave comoção e instabilidade, por exemplo no bojo de catástrofes naturais como a pandemia e eventuais distúrbios que provoque.

Propósitos idênticos

A nota gerou mal-estar entre ministros do Supremo Tribunal Federal e estranhamentos no próprio Mpf. Subprocuradores da República que lhe integram o Conselho Superior divulgaram documento com duras críticas à manifestação do pgR e a entidade que os congrega seguiu a mesma linha.

Resulta do imbróglio a impressão de que haveria, digamos, identidade de propósitos entre o presidente da República e o procurador geral. Não custa lembrar: antes de consumar-lhe a indicação (em desrespeito à lista tríplice votada pela categoria) Bolsonaro declarou, com a habitual incompreensão das instituições de estado e respectivos papéis, que escolheria alguém com que pudesse conversar, tomar umas cervejas.

Pelo jeito, pode.

Presidente acuado

Pode e precisa, conversar com o procurador geral e esperar dele, e de quem mais apareça, alento e socorro nesta hora difícil.

Eu disse que o presidente está assustado? Pois reformulo: está apavorado, acuado, em pânico. Não bastasse o iminente e inevitável acerto de contas dos filhos com a Justiça, ele sofre ataques de todos os lados. Irresponsável, ignorante, charlatão é o mínimo que dele se diz e há os que o chamam psicopata, até genocida.

Vazou em Brasília a informação: assessores palacianos, inclusive militares constatam preocupados os desacertos do governo, a que atribuem a dramática contabilidade de contaminações e mortes pelo coronavírus.

Disso é emblemática a tragédia de Manaus, resultado da omissão e equívocos do governo Bolsonaro e das más escolhas de seu aliado, o governador do Amazonas.

De goleada

O ex-capitão até arriscaria um “E daí?, todo mundo morre um dia” mas não o diz porque só pensa ‘naquilo’: reeleição.

Seu azar é que também neste front está em apuros: perdeu de goleada a disputa com o governador de São Paulo, teve que recuar e aceitar “as vacinas chinesas do Dória” que terminantemente vetara.

E até essas (como as demais alternativas) atrasaram por culpa sua, quando Índia e China deram meia-trava na cooperação que faculta importá-las ou obter o princípio ativo com que produzi-las no Brasil.

Difícil acreditar não se trate de represália aos agravos do ministro Ernesto Araújo, dos filhos do presidente e dele próprio aos chineses e indianos.

Sinais de alarme

O ex-capitão é político – chinfrim, mas político. Aprendeu quase nada em sete mandatos na Câmara dos Deputados (28 anos!), sempre no ‘baixo clero’, mas terá adquirido o senso de sobrevivência que lhe informa os pares.

Por isso a derrota acachapante na ‘batalha das vacinas’ que imagina travar, e justo para um provável rival nas eleições do ano próximo terá disparado todos os alarmes, forçando-o a conter-se.

Mesmo anódinos, os cumprimentos que enviou ao presidente dos Estados Unidos, em conformidade com os protocolos diplomáticos podem indicar outra fase de comedimento, semelhante à que sucedeu a prisão do amigo e faz-tudo Queiroz.

Pesado demais

Mas não terá percebido, o tosco ex-capitão que talvez nem chegue lá, à campanha pela sonhada reeleição.

Multiplicam-se as reivindicações de impeachment e nem dá pra dizer que são coisa da “imprensa inimiga”, variante bolsonária da “imprensa golpista” inventada pelo Pt.

Carlos Ayres Brito, brilhante intelectual e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, não vê outra saída: o presidente está “de costas para a Constituição” e isto não pode continuar.

Movimentos conservadores egressos das insurreições de 2013, decisivos na debacle de Dilma e nas eleições de 2018, retiram-lhe apoio e aprestam-se a voltar às ruas para derrubá-lo.

Até o ‘centrão’ já admite a ideia, mesmo relutantemente: o presidente ficou pesado demais pra carregar.

Assassinato premeditado

E então parece oportuno trazer de volta o voluntarioso (e excelente) panfleto de Elmer Correa Barbosa, cujas denúncias comecei a relatar há duas semanas. Ele é duro, direto e exaustivo:

– O senhor Jair Messias Bolsonaro é criminoso, responsável pela morte de mais de 200 mil brasileiros em assassinato premeditado. Ciente das consequências de suas ações, impediu que se prevenisse a propagação da peste que matou 550 pessoas por dia em 2020.

Delírio? Avaliem

Confesso que às vezes me sabe a profeta da catástrofe, o exímio panfletário; em outras, diria até delirante. No entanto ele fundamenta o que escreve em legislação pertinente e remete-nos a pensadores (de variada extração ideológica) do porte de Cassirer, Spengler, Ibsen, Toynbee; ao papa Leão xiii e sua encíclica Rerum novarum

Deixo aos leitores a avaliação; tirem as crianças da sala e leiam a nota a seguir.

Genocídio pragmático

– Não bastasse a tentativa de genocídio, o senhor presidente montou uma quadrilha de criminosos: […] um general que embora ignorante em medicina e infectologia assumiu, sabendo dos riscos, […] o Ministério da Saúde, [tudo] com o objetivo de retardar a liberação de vacinas para aumentar o número de mortos e aliviar o déficit da Previdência.

Crime e leniência

Não se iluda quem cogite atribuir a facciosismo de intelectual de esquerda as acusações de Barbosa (que nem sei se é de esquerda): sua metralhadora giratória poupa ninguém, sequer os filósofos que cita – nem o papa!

Tolerância zero ante o poder, tampouco dá refresco àquela entidade perfeita, algo mística a que esquerda e direita costumam chamar ‘povo’:

– A maioria das autoridades no Brasil é criminosa, […] crimes passam despercebidos ou são perdoados a cada eleição porque o brasileiro é leniente e até acha graça das espertezas dos políticos canalhas e os reelege […] ou do juiz condescendente, que perdoa porque é assim que as coisas funcionam […].

Tem mais panfleto de Elmer, porém antes acolho objeções (até apoios!) de outros leitores.

Livre arbítrio

– Não sou favorável ao aborto, porque sou religiosa – escreve-me Thaïs Littieri, a discordar em parte do que escrevi há duas semanas.

Respeito sua opinião, Thaïs, mas inclino-me ao livre arbítrio: a quem é contra assegure-se o direito de assim pensar e agir conforme o que pensa, porém jamais a pretensão de impor em lei seu pensamento.

Por isso aplaudi os legisladores argentinos.

 

Testemunho

O acadêmico Marcos Formiga renova-me apoio às considerações sobre o Governo Itamar Franco, “do qual foi testemunha e partícipe de nossa história recente” – escreve, e agradeço-lhe o honroso reconhecimento.

– A economia deixou de lado e com sucesso a receita equivocada do Consenso de Washington – acrescenta – e por dois anos e meio tivemos um ministro da Educação nacional de verdade, não apenas ministro das universidades […].

França, soja e boiada

Aquela boutade do presidente francês sobre a soja brasileira foi equivocada mas nem tanto, ele errou ao dizer que se produz sobre os escombros da floresta mas acertou ao identificar relação indireta de causa e efeito.

É o que percebe Lúcio Pontes Matos:

– A França não comprar soja do Brasil não nos afeta, levando-se em consideração o baixo volume de suas importações. Entretanto, Macron tem lá suas razões quanto à influência que o plantio exerce sobre o desmatamento. Nós bem sabemos da vergonhosa devastação da floresta amazônica, em benefício das empresas/indústrias da soja e da pecuária. Como disse nosso ministro do Meio Ambiente: ‘Agora é passar a boiada…’.

Macron no popular

A investida do presidente da França é típica de quem “ouviu o galo cantar mas não soube onde”, como no dito popular. Ou ter-se-á travestido de improvável Caramuru gaulês: “Atirou no que viu, acertou o que não viu”.

Mais provavelmente e ainda no popular, a saber-se que Emanuel Macron fala para (e pelos) agricultores franceses, dependentes de subsídios e protecionismos para sobreviver, ele “bateu na cangalha para o burro ouvir”.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])