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Comunicação & Problemas

11 de outubro, 2021

Nossas instituições, suas fragilidades e resiliência   Esperança… – Há um fio de esperança! – anima-se Thaïs Littieri “ao ver os noticiários de ontem [sábado, 02.10] […]

Comunicação & Problemas

Nossas instituições, suas fragilidades e resiliência

 

Esperança…

– Há um fio de esperança! – anima-se Thaïs Littieri “ao ver os noticiários de ontem [sábado, 02.10] sobre as manifestações de repúdio ao presidente”.

Esperança renovada, Thaïs e também preocupação: enquanto se amiúdam e avolumam-se as manifestações, crescem também os conflitos no lado em que não os deveria haver, nestes tempos sombrios: o dos defensores da democracia.

…e desespero

A deputada Gleisi Hoffman, presidente do Pt, insiste como quase todos os correligionários na tese de um “golpe” embutido no impeachment de Dilma, o que de pronto afasta adesões e fragiliza a projetada aliança contra os arreganhos bolsonários. E não é menos exasperante, chega a ser desesperador o comportamento de antipetistas que condenam, como equivalentes, os opostos populismos petista e bolsonarista.

Como se fosse possível comparar Lula e Bolsonaro: do ex-metalúrgico de São Bernardo a gente pode divergir porém jamais acusá-lo de defender a infame ditadura 1964–85 e seu Ai-5, a tortura e assassinato de adversários e muito menos de engendrar golpe de estado.

Já o ex-tenente…

Genocidas

Elmer Correa Barbosa recusa meias palavras, vai além das críticas que alinhei na edição da semana passada e ‘chega aos finalmente’:

– O fenômeno [persistência do apoio empresarial a Bolsonaro] não provoca ‘conjeturas’ sobre as motivações, comportamentos e subjacentes conceituações do empresariado e do presidente [como afirmei]; só confirma o diagnóstico:

genocidas!

Ingredientes ocultos

Resgato, de Célio Cunha, uma pergunta que se poderia aplicar tanto a essas perplexidades quanto às recentes denúncias de corrupção a envolver o núcleo duro do poder e seu entorno mais próximo:

– Será que estamos diante de uma nova ‘pizza’ de ingredientes e sabores desconhecidos? Ou ocultos?

Nossas instituições…

As preocupações e indignação desses atilados leitores suscitam-me estranha sensação de incompletude, como se deixasse escapar algo essencial das análises de conjuntura que leio na imprensa e eventualmente nas redes ditas ‘sociais’. Então me ocorre frase muitas vezes repetida, quase um mantra entre democratas e portanto oponentes de Bolsonaro e sua grei:

as instituições são fortes, estão resistindo, rechaçam as ameaças golpistas.

…e sua resiliência

Isto é fato, eu sei: mais que haja tentado – e com especial furor no último 7 de setembro – o presidente não conseguiu (até agora…) apoios suficientes para desmontar o estado de direito e suprimir a democracia.

Ponto para as instituições, que têm sido resilientes.

Entretanto as mais recentes incursões do potencial tiranete, mesmo repelidas, vis-à-vis as reações institucionais, provocam-me um persistente incômodo “em algum lugar entre o fígado e a alma”, se posso citar o brilhante Mino Carta no tempo em que editava Veja, na virada dos anos 1960–70 (certamente o melhor tempo de ambos, revista e editor).

O que são elas?

Sob esta incômoda sensação é que me permito apelar a Célio, Elmer, Thaïs e demais leitores para que me ajudem a examinar mais de perto nossas louvadas instituições.

O que são, em si mesmas?, como se comportam-se à parte e além da resistência ao assédio autoritário?

São original e efetivamente democráticas?, espelham os anseios do povo e de fato o representam, quando agem em seu nome?

E afora a benvinda, necessária resistência às incursões totalitárias, elas cumprem suas demais funções? – inclusive as mais prosaicas, inerentes aos respectivos cotidianos?

E como funcionam, internamente?, aplicam a si próprias os elevados princípios e conceitos com que abordam os grandes temas nacionais?

Nação sem projeto

Como provocação aos leitores, começaria por responder ‘não’ à maioria dessas questões.

Sim, louvemos as instituições que nos protegem de projetos de ditador. Mas e depois?, quer dizer, será? que efetivamente se orientam por ideais democráticos?, o que incluiria pensar o Brasil a longo prazo, formular um projeto de nação – de uma nação que já não precise brigar diuturnamente contra o autoritarismo?

Novas velhas perguntas

Temo que falhem, nossas instituições, também em causas mais contingentes. E aqui proponho um primeiro exame, por enquanto restrito, tendo por paradigma o conceito mais abrangente do arcabouço institucional: os poderes do estado, conforme concebemos e implementamos a tripartição devida ao iluminismo e concretizada no engenhoso modelo tripartite de Montesquieu.

Cabe então repetir a pergunta inicial, agora em formato diverso: no exercício de suas funções constitucionais, como se comportam os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário? – inclusive interna corporis?

Ninguém é normal

Avaliá-los em sua inteireza, múltiplas funções e abrangência nacional ultrapassa a pretensão destas notas. Entretanto talvez seja útil centrar a análise em seus organismos máximos: o Congresso Nacional, o governo da União e o Supremo Tribunal Federal.

Começo por reafirmar: nos grandes temas nacionais as instituições garantem mínima estabilidade e exercitam instrumentos eficazes na gestão das crises resultantes dos embates democráticos. Porém… considerada cada uma de per si, examinadas suas entranhas, como se comportam e, mais, como de fato são?

É tentador aplicar ao caso o pitoresco (e exato) aforismo atribuído aos psicólogos: visto de perto ninguém é normal.

Projetos antinacionais

Visto de perto o Congresso Nacional afasta-se, com frequência maior do que gostaríamos de admitir, dos parâmetros da normalidade democrática.

Justo neste peculiar momento, enquanto na Cpi da Covid os senadores prestam relevante serviço, no outro lado do túnel que une as duas casas deputados empenham-se em projetos antinacionais, votando a toque de caixa a ‘Pec da impunidade’ e o desmanche da autonomia do Ministério Público. Sem falar no arbítrio que se autoatribuiu o presidente da Câmara de simplesmente ignorar – sequer as recusa! – mais de 130 propostas de impeachment do presidente da República.

Trabalhadores relapsos

Tampouco na casa revisora os senadores têm tido êxito em barrar os absurdos perpetrados pelos colegas – por falta de vontade ou, vá lá, de instrumentos eficazes para exercitar sua função.

E ambos – deputados e senadores – comprazem-se em anomalias no cumprimento dos mandatos que os eleitores atribuíram-lhes, a começar pela inapetência em trabalhar, minimamente estar no local de trabalho e cumprir expediente como se obrigam os demais brasileiros.

É um escândalo!, há décadas considerado ‘normal’, que congressistas só frequentem Senado e Câmara entre a tarde de terça-feira e a manhã de quinta: dois dias por semana!

Privilégio autoconcedido

E não se diga que precisam estar com suas bases, conviver com os eleitores, nestes tempos de contato remoto cada vez mais difundido.

Tal argumento é na verdade confissão de culpa: na maioria dos casos querem estar em seus estados para preparar as respectivas reeleições e alimentar campanhas estaduais e municipais dos correligionários. Com o que, ademais, concedem-se vantagem de que não dispõem os concorrentes:

poderia um operário ausentar-se do trabalho para candidatar-se?, assim como os demais servidores públicos, os empresários?…

Intenções marotas

Não se sai melhor o Executivo da União neste quesito, considerado o empenho dos dirigentes no cumprimento de suas obrigações. 

Nada a ver com a outra vez equivocada tentativa de reformar a administração pública, agora fundada na premissa do ministro da Economia de que os funcionários do estado são “parasitas”;

a par de idiota, a generalização esconde intenções pra lá de marotas.

Mordomias

Na verdade essa discussão é cortina de fumaça para esconder os privilégios da minoria, quase toda arrivista – não concursada, estranha ao serviço do estado – cujos integrantes ocupam os mais altos cargos e gozam das chamadas “mordomias”: verbas extras para pagar habitação, eventuais estudos, até vestuário!, veículos e motoristas ‘oficiais’, passagens aéreas pagas com nosso dinheiro, penduricalhos nas remunerações que não raro as multiplicam, além e à margem do que manda a lei.

Fratura exposta

Tais privilégios comprometem moral e eticamente essa nova ‘elite’ do (des)serviço público, mas nem é esse o maior prejuízo que causam à nação, na medida em que um efeito colateral ainda mais perverso induz ações e decisões motivadas não por razões de estado, mas pelos interesses dos grupos eventualmente no poder e de seus próprios membros.

O que ademais enseja, quando não provoca a fratura exposta entre as motivações de eventuais executivos governamentais e as aspirações perenes da sociedade. É desse divórcio que se valem os protagonistas do ‘toma lá, dá cá’ entre executivos governamentais corruptos, seus sócios nos parlamentos e no empresariado corruptor.

Tribunais ineficazes

No entanto os erros e omissões de integrantes dos poderes Legislativo e Executivo podem reverter-se mediante intervenção do Judiciário – objetaria um leitor mais otimista.

É possível e frequentemente acontece, mas não recomendaria apostar muitas fichas na eficácia de nossos tribunais. Eles também exibem chagas similares às dos demais poderes e às vezes, ironicamente, acrescem desvios às correções de rota que deveriam (tentam, até) imprimir.

Cobrança e ressalvas

Mesmo se o parâmetro de excelência for o desempenho de sua elite – os ministros do Supremo Tribunal Federal –, também do Judiciário há muito a cobrar. Reitero e ressalvo: nossos juízes são credores de reconhecimento e gratidão, inclusive os que militam na Corte maior, por sua intransigente defesa do estado de direito.

Nisso têm sido impecáveis, como na atuação enérgica dos presidentes do Stf e do Tribunal Superior Eleitoral contra as mais recentes investidas autoritárias do chefe do Executivo, aliás desde então recolhido a contrafeito silêncio em seu afã golpista.

Controvérsias

Ainda assim não dá pra dizer ‘amém’ a tudo o que fazem os ministros do Stf.

Difícil esquecer a controversa decisão que permite ensino religioso em escolas públicas; os sinais contraditórios que emitiram ao julgar a possibilidade de interrupção da gravidez de feto anencéfalo; a invenção de um certo “marco temporal” no reconhecimento de terras indígenas e as atuais dificuldades em reverter a esquisitice; a inusitada reviravolta nos processos que condenaram e prenderam o ex-presidente Lula…

Não ouso, é claro, contestar a juridicidade das decisões; apenas constato a estranheza que provocaram e provocam – no caso de Lula, tanto a sentença condenatória quanto sua revogação.

Pedido de tempo

Pior estará o Stf sob um exame atento e objetivo das relações intra muros dos ministros e observância dos procedimentos inerentes a seu métier. A anomalia mais gritante estará nos pedidos de vista, instrumento que lhes enseja ‘pedir tempo’ para melhor analisar processos, antes de votar.

Estipula o Regimento Interno da Corte, por ela própria instituído e com força de lei, um limite para tais reflexões, estipulado em número máximo de sessões – cinco, se bem me lembro de informação que a Corte não parece interessada em disseminar.

Decisão: não decidir

E o que acontece? se um ministro extrapola esse prazo? – entendo a curiosidade do eventual leitor.

Acontece nada; o Regimento é omisso, não cogita obrigar devolução do processo a julgamento quando se atrasa um indeciso julgador.

Daí resulta que pedidos de vista interrompam processos por meses, anos até, sem que suas excelências preocupem-se em explicar à sociedade por que, sob que razões descumprem normas que a própria Corte instituiu.

Fica no ar possível (e controversa) explicação, não verbalizada por quem haveria de falar pelo Supremo, quiçá a interpretar-lhe o pensamento:

optar por não decidir é uma decisão.

Correções necessárias

Se necessário, reitero ainda uma vez que não pretendo diminuir a importância de nossas instituições, especialmente as aqui citadas e muito menos ignorar-lhes a resiliência.

Parece-me no entanto indispensável reconhecer suas fragilidades, primeiro passo para corrigir os problemas e fortalecê-las – até para que continuem a resistir aos inimigos da democracia.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])