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Comunicação & Problemas

22 de março, 2021

O dualismo envelhecido e os novos protagonistas   O Velho do Lago… Faz mais de vinte anos começou a frequentar esta coluna um leitor-colaborador pra […]

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O dualismo envelhecido e os novos protagonistas

 

O Velho do Lago…

Faz mais de vinte anos começou a frequentar esta coluna um leitor-colaborador pra lá de original. Apresentava-se simplesmente o ‘Velho do Lago’, provável alusão a personagem do folhetim Pantanal que fizera sucesso na tv nos primeiros anos 1990 – como o meu interlocutor um sábio macróbio, autor de observações argutas em frases de efeito – e certo associado ao Lago Norte, bairro em que morava como este também, já então, velho escriba.

Eram tempos mais amenos, colunista e leitores falávamos mal de governantes tanto quanto de seus opositores e nem imaginávamos o quanto, duas décadas após, seria preciso falar mal (tão mal!) do governo e só um pouco menos das oposições.

…volta (afiado) à cena

Pois estava este colunista posto não exatamente em sossego, mas às voltas com habituais perplexidades quando de repente voltou à cena o Velho do Lago, egresso de não sei de que aventuras ou desventuras que o afastaram vários anos do convívio com estas mal-traçadas e seus leitores.

O que sei é que volta e volta afiado, atilado como sempre, como relatei semana passada: são dele as observações que atribuí a velho amigo sobre o passadismo que ancora as lides políticas neste tempo infeliz e o desafio de virar a página, encontrar novos protagonistas de renovados meios e modos de pensar, dizer e agir na política.

Mata e mostra

Hoje como antes o sapiente ancião ‘mata a cobra e mostra o pau’ – vale aqui o dito popular de sabor rural, talvez pantaneiro – e sugere que “caras novas” já se apresentam.

Nada a ver com outsiders, aventureiros que fizeram carreira a desprezar a política, tipo Jânio Quadros, nem com figuras menores que o imitaram ou imitam: Collor ontem, hoje Dória e o mais nefasto deles, vocês sabem quem. Muito menos com salvadores da pátria autointitulados (Moro, Huck) ou nomeados à revelia (Joaquim Barbosa).

O Velho do Lago desconsidera-os e aponta alternativas.

Fez tudo bem

– Preste atenção ao jovem presidente do Senado – adverte-me, e percebo que Rodrigo Pacheco consegue o equilíbrio e capacidade de dialogar que o paroquiano antecessor até tentou, canhestramente.

– Mais um mineiro a promover consensos? – augura enquanto me provoca, na sugestão da maestria de Tancredo, que evoque a indispensável experiência dos antigos mestres e resgate um veterano meio esquecido, embora em plena e profícua atividade:

“Aldo Rebelo, seguidor de Teotônio Vilela, foi tudo o que um político pode ser e em tudo saiu-se bem.”

Ministro múltiplo

Nem precisei do Google.

Sei que o alagoano Aldo Rebelo foi presidente da Une no tempo em que só radicais de esquerda dirigiam a entidade, filiou-se ao Partido Comunista do Brasil, dissidência extremada do velho Pcb no início da década de 1960, criada pelos lendários militantes socialistas João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar.

Sobreviveu à perseguição da ditadura e elegeu-se deputado federal em sucessivos mandatos, foi presidente da Câmara e ministro versátil – dos Esportes à Defesa (quando manteve fluente interlocução com chefes militares das três forças), passando por Ciência e Tecnologia e Coordenação Institucional.

Candidato a surpresa

Outro promissor político lembrado pelo Velho do Lago é o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul. Coincidentemente, ele foi citado nos comentários de pesquisa do Instituto Atlas, realizada nos dias 8 e 9 deste mês, sobre possíveis candidatos à Presidência em 2022.

“Ele pode constituir o principal fator surpresa – escreve Andrei Roman, dirigente do Instituto –, tem a vantagem de ainda ser desconhecido da maioria, então poderia chegar como uma espécie de salvador do centro se nenhum outro candidato decolar. É jovem, tem discurso moderado, não surfou a onda bolsonarista e é bem avaliado como governador.”

Mais calouros

Julgo compreender o alerta do sábio ancião, que aplaude as novidades sem descurar do contexto que as gerou. Os políticos jovens que citou sabem dialogar com experientes artífices do consenso, na compreensão de que a política é ciência e arte de harmonizar contrários em busca de resultantes das forças em conflito – e a não encontrá-las, ao menos evitar aguçamento dos conflitos.

É assim acrescento à lista mais dois políticos calouros que me parecem igualmente promissores: Felipe Rigoni e Tábata Amaral.

Acerbo e cordato

Rigoni, do Psb do Espírito Santo, teve que iniciar o mandato a reivindicar que o conheçam por algo mais que ‘o deputado cego’; tarefa difícil, afinal é o primeiro nessa condição a chegar ao Congresso, mas ele bem merece: é atuante, participa com igual desenvoltura de debates acerbos e negociações cordatas entre pares, em defesa de suas causas.

Ademais exibe ilustre formação, nas universidades de Ouro Preto e Oxford.

Trabalhismo independente

São igualmente excelentes as credenciais acadêmicas de Tábata Amaral, formada em Harvard.

Eleita pelo Pdt de São Paulo, alinha-se como Rigoni ao grupo mais progressista da Câmara e opõe-se com denodo às pautas reacionárias patrocinadas pelo governo, porém sua atuação é marcadamente independente: já contrariou ‘ditados’ do Partido, cuja direção nacional não raro desmerece as tradições democráticas do trabalhismo como o concebia Brizola, pai-fundador do Pdt.

Perdeu porque acertou

Espero contar com anuência do Velho do Lago ao lembrar outro veterano político, eventualmente afastado do proscênio conferido por mandato parlamentar. Refiro-me a Cristovam Buarque, economista, professor e reitor da Universidade de Brasília que foi governador do Distrito Federal, ministro da Educação e senador da República.

Na opinião deste velho escriba, Buarque protagonizou uma das mais extraordinárias evoluções de um político em nosso tempo: governador contestado e derrotado ao tentar reeleger-se, empunhou com notáveis brio e eficiência a bandeira da educação, na senda de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Paulo Freyre, Murílio Hingel, Leonel Brizola.

Ministro de Lula, perdeu o lugar justo ao acertar, quando protegeu a educação pública de interesses poderosos que a ameaçavam.

Agradecimento

A propósito, penitencio-me se deixei de agradecer oportuna e publicamente, como deveria, a honrosa manifestação do (ex-, infelizmente) senador Cristovam Buarque – em particular já o fiz:

– Sua coluna hoje [21.02] está muito oportuna e bem feita. Obrigado! – elogiou-me. Respondi, particularmente: “Obrigado estou eu, meu senador”.

Fernando Gabeira

Outro velho e lúcido crítico da política tal como a praticam muitos políticos nesta devastada Pindoramas retorna à linha de frente do jornalismo… político.

Fernando Gabeira não esteve propriamente afastado do tema; em artigos n’O Estado de S. Paulo denunciou, por exemplo, o primarismo do ‘nós-contra-eles’ que informa as disputas partidárias desde 2010 (ou por aí). Entretanto aparecia mais, para o grande público, em suas andanças pelo interior do país a revelar aos habitantes das grandes cidades (sobretudo as duas megalópoles) um Brasil tão pouco conhecido quanto rico, diverso e instigante.

Andanças proveitosas

Naquelas andanças Fernando condoeu-se do destino dos jegues abandonados no Nordeste; reportou o trabalho da doutora Niède Guidon em São Raimundo Nonato, sertão do Piauí, a liderar pesquisas que revolucionam as teorias sobre o povoamento do Novo Mundo; mostrou como reverte a deterioração dos ambientes naturais o projeto do fotógrafo Sebastião Salgado e sua família no sítio que herdaram no Espírito Santo, transformado em modelo de recomposição da mata atlântica logo estendido a fazendas vizinhas.

Repórter-notícia

Sustada pela covid-19 a belíssima série de reportagens na qual, desconfio, comprazia-se mais, Fernando retornou ao chão das redações (mesmo virtualmente) e dedica-se a pontuar na GloboNews os fatos e fenômenos cotidianos, em intervenções rápidas e debates idem com seus pares.

Reafirma, na percepção do cerne da informação e excelência da análise, o que aprendeu o jornalista na longa carreira entremeada e enriquecida por atividades em que o repórter virou notícia: empenhou-se na defesa de minorias e em causas ambientais, estendeu e aprofundou o engajamento quando se elegeu deputado federal, ficou a um passo da experiência de administrar a metrópole em que vive quando perdeu, por pouco, a disputa pela Prefeitura do Rio.

De observador a observado

Antes o repórter levaria às últimas consequências a condição de observador-participante da cena política ao aprofundá-la e tornar-se, de vez, partícipe do jogo. Como tal passou de observador a observado, com lupa, pelos agentes da ditadura que combatia.

Foi assim que sua adesão à ‘guerrilha urbana’, culminada no sequestro do embaixador dos Estados Unidos para trocá-lo por companheiros presos nos porões da repressão, revelou-se aventura generosa porém desastrada: os organismos de segurança haviam-se aperfeiçoado e seus investigadores, treinados pela Cia, acompanhavam os passos do intelectual convertido em guerrilheiro.

Deu certo e errado

Preso, torturado, Fernando sobreviveu porque os companheiros não negaram fogo e providenciaram nova ação armada para reeditar a barganha.

Funcionou, no princípio: saiu da prisão (e foi ‘banido’, como os que libertou), mas o sequestro do diplomata suíço que seria trocado por 65 presos políticos (ele incluído) foi a última bem sucedida ação dos guerrilheiros, depois descobertos em seus precários disfarces e esconderijos, caçados sem trégua e presos (ou exilados) quase todos, quando não assassinados – inclusive depois da prisão.

Ataque covarde

O indecente, covarde ataque a Filipe Neto, influenciador digital seguido nas redes de mídia e admirado por onze entre dez adolescentes que as frequentam – e também nem tão jovens e até macróbios como este velho escriba, que segue ninguém nas tais redes mas tem notícia do que pensa e faz o notável comunicador.

Ele é investigado e ameaçado por ter chamado “genocida” o presidente Bolsonaro.

Ora!, não fez mais que manifestar opinião, coincidente com a de políticos, acadêmicos, empresários, outros jornalistas e, desconfio, a maioria dos brasileiros.

Aliás o governador João Dória usou a mesma palavra para (des)qualificar o presidente, conforme registrado pela Folha de S. Paulo na segunda-feira, 15.03; será enquadrado na Lei de Segurança Nacional?

E então?

Antecipo cobranças de eventual e indignado leitor:

Então?, nem uma nota sobre a atabalhoada mudança no Ministério da Saúde, feita para deixar tudo como está?

Ou, nesse mesmo affaire a afronta ao ‘centrão’, da qual seu chefe e presidente da Câmara já passou recibo ao reclamar de que o Brasil protagoniza um “vexame internacional”, em meio à dor e revolta pela morte do senador Major Olímpio?

E ainda a persistente sabotagem de Bolsonaro ao combate à pandemia, agora apelando ao Stf contra as ações dos governos estaduais?

Esperem! – diria –, melhor decantar o processo à salvo do superado dualismo em que o querem confinar.

Prometo retomar os temas.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)

Marco Antônio Pontes

([email protected] ou [email protected])