BRASIL

Rede de tráfico humano na Ásia mira brasileiros e aplica golpes virtuais; paulista está desaparecido

17 de dezembro, 2024 | Por: Agência O Globo

Mãe de Luckas Viana afirma que o filho está sendo ‘explorado, torturado e forçado a cometer crimes’; desde 2022

A situação do brasileiro Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, sem contato com a família após relatar ter sido vítima de uma rede de tráfico humano em Mianmar, não é um caso isolado. Desde 2022, o Ministério das Relações Exteriores passou a alertar viajantes na região dos riscos representados por ofertas de emprego suspeitas. Ao aceitarem as propostas, as vítimas trabalham em condições precárias operando golpes virtuais.

A Embaixada do Brasil em Yangon, capital de Mianmar, afirma ser notificada de aliciamentos de brasileiros para trabalhos análogos a escravidão desde setembro de 2022. Em geral, os alvos são seduzidos por vagas de emprego supostamente no setor financeiro da Tailândia, com salários competitivos, comissões e passagens aéreas.

Os brasileiros são levados a assinar cláusulas de confidencialidade antes de serem transportados até Mianmar. Eles, então, têm os passaportes retidos e são submetidos a longas jornadas de trabalho, privação parcial da liberdade de movimento e possíveis abusos físicos.

A Tailândia também é alvo de alertas do gênero pelo governo brasileiro. Em hostels, vagas de emprego nos arredores de Bangkok são oferecidas à brasileiros. No entanto, após aceitarem o trabalho, as vítimas são levadas por grupos armados até Mianmar, onde atuam para empresas fraudulentas e em condições precárias.

Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, contatou a família no Brasil relatando estar preso em um centro de cibercrimes na divisa entre Mianmar e Tailândia desde o início de outubro. A mãe do rapaz, Cleide Viana, afirma que ele foi aliciado por uma falsa proposta de emprego e, desde então, está sob o controle de criminosos que exigem cerca de R$ 120 mil para sua libertação.

“Meu filho está sendo explorado, torturado e forçado a cometer crimes contra sua vontade”, escreveu Cleide na internet. Ela ainda relatou que a família busca ajuda no Itamaraty, na Polícia Federal e no Ministério Público Federal (MPF) para tentar resgatá-lo.

Na última ligação para sua mãe, no dia 8 de dezembro, Luckas informou que os criminosos estavam pedindo cerca de R$ 120 mil por sua libertação. Desde então, ele não entrou mais em contato. Cleide tenta arrecadar o valor, mas luta contra o tempo: “Cada segundo conta. A dor é imensa, mas a fé é maior”.

Dados do Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas (2021-2023), divulgado pelo Ministério da Justiça em junho de 2024, mostram que, em 2022, 109 brasileiros foram vítimas de tráfico humano na Ásia. Segundo o relatório, “a vulnerabilidade socioeconômica aumenta a suscetibilidade” das vítimas, enquanto plataformas digitais facilitam o aliciamento.

O documento também destaca que a pandemia de Covid-19 intensificou o problema, com o fechamento de cassinos físicos e a migração para ambientes digitais de fraude. “As plataformas digitais expandiram significativamente o alcance territorial dos perpetradores”, informou o relatório.

‘Comia tripas e lesmas’

Em novembro de 2022, O GLOBO mostrou o caso de um grupo de brasileiros que foi vítima deste tipo de esquema. Os amigos Nathalia Belchior Munhoz e Patrick da Silva Palma de Lopes se candidataram a uma vaga de emprego na Tailândia após verem um anúncio nas redes sociais. Ao chegarem lá, descobriram que o trabalho se tratava de aplicar golpes financeiros.

— As pessoas que conduziriam eles até a empresa não falavam inglês ou português. Ao entrarem no carro, eles já se depararam com duas pessoas fortemente armadas com metralhadoras e fuzis. Com medo, minha filha postou um vídeo mostrando o entorno durante a chegada e, de relance, alguns dos caras. Já mostrou certa apreensão ali. Àquela altura, eu ainda tentei tranquilizá-la — narrou o pai de Nathalia, Cristiano de Lima Munhoz.

Nathalia relatou que viajou durante dois dias de carro após desembarcar em Bangcoc, até a chegada num local chamado KKparque, já em Myanmar: uma espécie de condomínio dominado e vigiado pela milícia que a sequestrara.

– Lá ela começou a situação inóspita que enfrentaria. Um ambiente hostil, agressivo, com duras horas de trabalho. E ela contou que eles eram ainda mais cruéis e agressivos com os asiáticos mantidos lá – conta o pai. – Mas todos eram vigiados pelos rebeldes ou milicianos fortemente armados, que não deixavam ninguém sair do parque. Entravam e saíam apenas com a autorização do chefe da quadrilha.

Ainda muito abalada, Nathalia ainda não consegue falar muito sobre o que passou. Com exclusividade, deu alguns detalhes sobre como era mantida no cárcere.

– Comia tripas, lesmas, dormi em chão duro, passei fome e frio – revela.


BS20241217122142.1 – https://extra.globo.com/brasil/noticia/2024/12/rede-de-trafico-humano-na-asia-mira-brasileiros-e-aplica-golpes-virtuais-paulista-esta-desaparecido.ghtml

Artigos Relacionados