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Reforma tributária: ainda é cedo para comemorar

19 de abril, 2024

Samuel Hanan, engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia

Reforma tributária: ainda é cedo para comemorar

O Brasil terminou 2023 festejando a promulgação da Emenda Constitucional nº 132, a Reforma Tributária, há décadas reclamada para dar ao país melhores condições de desenvolvimento.

A Reforma Tributária de fato trouxe avanços, dentre eles isenções e reduções de até 100% nas alíquotas dos tributos sobre consumo. Outros, como serviços de educação, saúde, medicamentos, e cuidados básicos à saúde menstrual serão agora beneficiados com redução de até 60% das alíquotas dos tributos incidentes sobre o consumo. Também foram objetos de redução de 30% das alíquotas dos tributos aqueles relativos à prestação de serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, submetidos à fiscalização pelos respectivos conselhos profissionais e, segundo o disposto na Lei Complementar, a ser enviada pelo presidente da República em até 150 dias da data da promulgação da EC nª 132, que ocorreu em 20 de dezembro de 2023.

O ponto mais relevante do texto promulgado foi, sem dúvida, a eliminação de 26 legislações que vigoravam no Sistema Tributário Nacional, até então um verdadeiro “manicômio tributário”, tamanho o número de leis no ordenamento jurídico incidentes sobre a tributação e consumo, agora substituídas por legislação única, vigente em todo o território nacional.

A reforma recebeu aplausos entusiasmados, porém é preciso alertar que ainda há muitos mecanismos a serem estudados, definidos e normatizados em Lei Complementar para dar efetividade prática à Emenda Constitucional. Essa questão específica é suficiente para frear a euforia provocada pela Reforma Tributária, uma espécie de unanimidade nacional carregada de ufanismo e otimismo.

É muito cedo para comemorar. Haverá muitos percalços em 2024, frutos de vários pontos preocupantes deixados para serem tratados na legislação infraconstitucional. Um deles é a alíquota-padrão da tributação sobre o consumo, cuja definição deverá se dar até junho de 2024. Em razão das exceções abrigadas pelas reduções de 100%, 60% e 30% de alíquota-padrão, e considerando que nenhum entre federativo (União, estados e municípios) devolve arrecadação, é possível prever que teremos essa alíquota-padrão fixada em 26,5%, 27,5% ou até mesmo 28%. Isso significa que, para os não apadrinhados pela reforma, o Brasil terá a segunda – ou talvez a primeira – maior carga tributária sobre consumo no planeta, muito acima dos 37 países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A título de exemplo, a tributação sobre consumo no México é de 16%, na Nova Zelândia, de 15%; na Alemanha, de 19%; na França, de 20%; no Japão e na Coréia do Sul, de 10%; no Canadá, de 12%, e nos Estados Unidos, em média, de 7,4%.

O impacto da alíquota-padrão é enorme. Podemos estimar que o consumo no Brasil continuará contribuindo com 15% do Produto Interno Bruto (PIB), 41,5% a mais do que a média dos países da OCDE, de 10,6% do PIB.

Outro problema será a transição de um sistema para outro, lenta e demasiado longa. Começará somente em 2026, último ano do mandato dos atuais mandatários (presidente da República, governadores e parlamentares do Congresso Nacional). Em nome da previsibilidade, criou-se um hiato no qual nada mudará para os atuais governantes. A transição será finalizada em 2033, ou seja, atravessará praticamente dois mandatos, uma eternidade em se tratando de Brasil.

Neste país, o risco é grande quando os prazos são tão longos. E temos exemplos na história. A Constituição Federal de 1988 admitiu, de forma explícita, a concessão de benefícios fiscais e/ou renúncias apenas para reduzir desigualdades regionais e sociais (artigos 3º, 43, 151, 155 e 165, parágrafos 6º e 7º) e o resultado disso, ao longo dos últimos 35 anos, foi o total desrespeito ao texto constitucional. De forma nada transparente e ao seu bel prazer, presidentes da República vêm concedendo renúncias fiscais em valores que somam mais de 4,5% do PIB, ou cerca de R$ 500 bilhões/ano. Já os governadores concedem benesses que totalizam de R$ 60 a R$ 80 bilhões/ano.

Samuel Hanan, engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia