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CULTURA

Tony Bellotto lança 11º livro, regrava clássicos com os Titãs e reflete sobre vocação, realizações aos 64 anos e finitude

19 de julho, 2024 / Por: Agência O Globo

Músico e escritor conta que a turnê ‘Encontro’ deu origem a um novo grupo (os ‘TeenTãs’), diz que já sugeriam que ele virasse pastor e comemora o retorno de Malu Mader às novelas

Tony Bellotto lança 11º livro, regrava clássicos com os Titãs e reflete sobre vocação, realizações aos 64 anos e finitude
Tony Bellotto: 'Enxergo com mais clareza o muro no fim do caminho' — Foto: Chico Cechiaro/Divulgação

Tony Bellotto começou a fazer psicanálise e as lembranças não demoraram a vir. Revisitou a adolescência em Assis, no interior de São Paulo, numa época em que o Brasil era uma ditadura e ele ouvia histórias de orgias organizadas por fazendeiros para testar a macheza de seus rebentos. Daí surgiu a primeira frase de “Vento de setembro”, novo romance do titã: “No dia em que seu filho caçula perderia a virgindade, Máximo Leonel organizou uma orgia na maior de suas fazendas”.

Todos os mistérios que prendem o leitor às páginas do livro derivam desse bacanal. Alexandre, o menino a ser desvirginado, some e, décadas depois, o escritor Davi Zimmerman se pergunta o que liga a família Leonel, uma série de pichações em igrejas com obras de Aleijadinho e suas próprias origens. “Vento de setembro” será lançado no Rio no dia 30, às 19h, na Livraria da Travessa de Ipanema.

A viagem do autor ao passado, porém, não se limita ao livro (seu 11º). No começo do ano, os Titãs encerraram a turnê “Encontro”, que reuniu os ex-membros da banda e os remanescentes para celebrar as mais de quatro décadas de estrada. No recém-lançado “Microfonado”, os titãs atuais (Bellotto, Branco Mello e Sérgio Britto) voltam a garimpar o próprio repertório e propõem regravações de hits como “Sonífera ilha”, “Cabeça dinossauro” e “Marvin” em parceria com Ney Matogrosso, Preta Gil, Lenine e outros convidados. A banda toca nesta sexta-feira (19), às 21h, na casa de shows Vivo Rio, no Aterro do Flamengo.

Em conversa por vídeo com o Globo, Bellotto conta que a turnê “Encontro” deu origem a um novo grupo (os “TeenTãs”), diz que quase foi filósofo (e que já sugeriam que ele virasse pastor) e comemora o retorno da mulher, Malu Mader, às novelas na Globo.

O livro começa com uma orgia organizada para celebrar a perda da virgindade do filho de um fazendeiro. De cara, já propõe uma discussão sobre masculinidade.

“Vento em setembro” é um livro sobre a busca da identidade, há algo de psicanalítico nele. Comecei a fazer psicanálise e a lembrar de quando eu vivia em Assis. Naquela época, o preconceito (machismo, racismo, homofobia) era absurdo. Eu me sentia meio estrangeiro, porque não tinha nascido ali e meus pais eram professores universitários, viviam meio à parte da cidade. Ouvia histórias sobre orgias com prostitutas organizadas para iniciar sexualmente os meninos.

Chegou a ir a alguma?

Eu era muito pequeno para ser convidado e talvez não tivesse coragem de ir. Me soava violenta essa pressão em cima do desempenho sexual dos meninos, que seria julgado pelos outros machos.

Como impediu que o preconceito te contaminasse?

Vivi minha infância e adolescência sob uma ditadura militar horrenda, mas meus pais eram críticos do regime, contrários a todo preconceito. A volta da democracia foi um sopro de liberdade. O trabalho dos Titãs está ligado a isso, um disco como “Cabeça dinossauro” (1986) é uma celebração da liberdade. Apesar da força que têm parcelas reacionárias da população e da classe política, que flertam com golpe de estado e tentam barrar a luta contra o racismo e pelos direitos das mulheres, conseguimos manter a democracia e avançar na questão dos costumes.

“Vento em setembro” tem referências a Nietzsche, filósofo que influenciou bandas de rock como Killing Joke. Você também flertou com a filosofia?

Filosofia é reflexão sobre os acontecimentos, sobre a vida, e isso sempre foi muito importante para mim como escritor e para os Titãs. Raul Seixas disse que gostava dos Titãs porque tínhamos metafísica, foi um dos maiores elogios que recebemos. Cheguei a prestar vestibular para Filosofia, mas um amigo do meu pai, o Nilo Odalia, que era professor de Filosofia e dá nome a um personagem do livro, me disse: “Você é um cara tão criativo, toca, escreve, e vai fazer Filosofia? Vai ficar anos lendo e depois virar professor que nem eu? Não, cara, se joga nessa coisa artística, você tem um dom”. Ouvi o conselho dele.

No livro, há pichações aparentemente antirreligiosas e visitas a Chico Xavier. Religião é um tema que te interessa?

Sou ateu e crítico da influência da religião na política, que atrasa discussões como a descriminalização do aborto. Mas sem dúvida é uma questão que inquieta. Uma vez, a Malu e eu demos uma carona para a Sarah Sheeva, a filha da Baby Consuelo e do Pepeu Gomes, que é pastora. Ela começou a falar e eu a confrontá-la. Até que ela disse: “Você daria um ótimo pastor!” A minha descrença seria a matéria-prima de um futuro pregador. Meu pai era agnóstico, mas a família dele era espírita, iam para Uberaba ver Chico Xavier. Uma tia-avó era médium e lembro que, no Natal na casa da minha avó, ela às vezes recebia espíritos.

Você disse que “Vento em setembro” é um livro sobre a busca da identidade. Aos 64 anos, essa busca continua?

Sim. Do contrário, eu não teria escrito o livro nem estaria fazendo psicanálise. Lembro da música dos Beatles, “When I’m sixty-four”. Quando eles eram jovens e eu era criança, um homem de 64 anos era um velho caquético! Os tempos mudaram, mas nessa idade é inevitável pensar sobre o que foi a minha vida até hoje. A finitude se tornou concreta e enxergo com mais clareza o muro no fim do caminho.

Em 2025, você completa 30 anos de literatura. Sentiu algum receio ao virar escritor?

Tive dúvidas de iniciante: será que eu seria capaz de escrever um livro que parasse de pé? Iam questionar minha pretensão de virar escritor quando já fazia sucesso na música? Mas o chamado da literatura foi muito forte, incandescente, como havia sido o da música. Se você não arrisca, nada acontece, né? Hoje, as duas atividades são perfeitamente compatíveis, uma não atrapalha nem compete com a outra.

Tanto na turnê “Encontro” quanto no disco “Microfonado”, os Titãs revisitaram a própria trajetória. Como tem sido essa viagem ao passado?

Isso é inevitável aos 42 anos de carreira e é também uma demanda do público. Se vou a um show dos Rolling Stones, por mais que eu admire a capacidade criativa deles, não quero ouvir só música nova, quero os clássicos que me emocionam. Olhamos para o passado tentando transformar o que já fizemos em coisa nova. É uma arte: mudar para continuar o mesmo, se repetir de uma maneira que seja inquietante do ponto de visa artístico.

Nas turnês antigas, rolava muita droga. Agora, todo mundo é careta. Como a turnê “Encontro” foi diferente das de antigamente?

As garrafas de uísque viraram máquinas de café expresso (risos). Sempre tivemos um convívio muito criativo, mas havia pequenas desavenças. Talvez pela maturidade, a turnê “Encontro” foi um paraíso, só relacionamentos bem resolvidos, todo mundo feliz. Foi como uma reconciliação profunda. Não que a gente não estivesse conciliado antes, mas, sempre que um integrante saía, ficava uma questão. A turnê apaziguou tudo. O sucesso foi maior do que esperávamos, vimos como nossa música tocou as pessoas, vimos que começou como uma aventura de jovens desmiolados e virou uma coisa sólida e relevante. Foi um ano perfeito. Mas, se continuássemos por mais tempo, pode ter certeza que as desavenças iam voltar (risos).

Li que os filhos dos titãs se aproximaram na turnê.

Isso foi o mais legal. Eles ficaram muito amigos, criaram o grupo TeenTãs no WhatsApp. Quando acabava o show, os Titãs estavam exaustos e iam exaustos para o quarto tentar se refazer. E os filhos ficavam no bar do hotel num after animadíssimo! A gente realmente é uma família, era como ver primos se reencontrando depois de muito tempo.

Malu Mader voltou às novelas em “Renascer”. Você está acompanhando?

Virei fã da novela (risos). Brinquei que a Malu está vivendo a turnê “Encontro” dela. O convite seduziu porque ela não tinha feito novela de Benedito Ruy Barbosa e o Marquinhos Palmeira é um amigo da vida inteira. É muito legal vê-la sentindo a importância de 40 anos de carreira, a felicidade dos fãs. É um momento de glória muito merecido.

Os Titãs têm já tem 42 anos de estrada e você tem 34 anos de casado e quase 30 como escritor. Qual é o segredo de tanta longevidade?

Não tem uma fórmula. A coisa se renova a cada dia. Tanto no casamento quanto nos Titãs, há respeito e admiração mútuos, o que fazemos coletivamente é superior ao que cada um faria sozinho. Há também algo de metafísico, de mágico, que a gente chama de amor. Sempre que um membro saía dos Titãs, a gente se questionava: será que o nosso ciclo acabou? Mas aí a “entidade Titãs” se manifestava e dizia: “Vão em frente”.

Serviço:

  • ‘Vento em setembro’
  • Autor: Tony Bellotto. Editora: Companhia das Letras. Páginas: 296. Preço: R$ 94,90.

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