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VARIEDADES

As 53 facções criminosas do Brasil

3 de fevereiro, 2022

Record TV percorre o país de Norte a Sul e mapeia as diferentes dinâmicas do crime organizado em território nacional “Vai da sua ocasião. Vai […]

As 53 facções criminosas do Brasil
Arquivo/Agência Brasil

Record TV percorre o país de Norte a Sul e mapeia as diferentes dinâmicas do crime organizado em território nacional

“Vai da sua ocasião. Vai da sua necessidade. Com o comando, tudo tem que ser justo. Aqui na favela, pode ter certeza que os moradores preferem 50 irmãos do comando do que 50 viaturas. A polícia bate muito na gente. Se a polícia tratasse bem e se a cadeia fosse do jeito que tem que ser, não ia precisar fazer uma organização. O governo criou isso. E agora tem que arcar com as consequências.”

Traficante no Rio de Janeiro ostenta arma de grosso calibre durante entrevista (Reprodução/Record TV)
Traficante no Rio de Janeiro ostenta arma de grosso calibre durante entrevista REPRODUÇÃO/RECORD TV

A frase acima foi dita por um integrante do PCC (Primeiro Comando da Capital) durante uma entrevista cedida para a Record TV, no ano passado, em um bairro periférico do extremo Sul da capital paulista. Assim como ele, pelo menos 35.000 pessoas integram a maior organização criminosa do país, que está presente em todas as esferas da sociedade, incluindo diferentes classes sociais, bairros e etnias.

Nascido em São Paulo em 31 de agosto de 1993, motivado, entre outros fatores, pelo Massacre do Carandiru, ocorrido em outubro de 1992, o PCC avançou para outros estados e países com o passar do tempo. Em pleno processo de cartelização, a facção paulista tenta estabelecer uma lavagem de dinheiro refinada e se conecta a outras organizações criminosas ao redor do mundo, como, por exemplo, a máfia italiana ‘Ndrangheta.

O PCC, no entanto, é apenas uma das 53 facções criminosas que atuam no Brasil. O dado, levantado com exclusividade pelo Núcleo de Jornalismo Investigativo da Record TV com base em investigações de diferentes órgãos dos governos federal e estaduais, não inclui milícias. Facções e milícias são organizações criminosas. O que diferencia os dois grupos, apesar de semelhanças, é a ligação intrínseca das facções com os presídios, enquanto as milícias têm elos com polícias.

O PCC é a maior facção do país, com ação transnacional. Ele não age apenas na compra de maconha e cocaína de países produtores, mas também exporta toneladas de drogas para Europa, África e Ásia por meio de navios de carga que atracam na costa brasileira. Já o CV (Comando Vermelho), que é a facção mais antiga do país, ocupa o posto de segunda maior do Brasil. Apesar de ter sido a primeira a chegar no Paraguai, onde busca drogas e armas, o CV não tem tradição de exportar cocaína para outros continentes.

Das 27 unidades federativas do país, apenas quatro têm o domínio de uma só facção em seu território: São Paulo, Mato Grosso do Sul e Piauí têm como única facção o PCC. Já o Mato Grosso é dominado apenas pelo CV. Há conflitos violentos dentro do sistema penitenciário, em atividade, em pelo menos 11 estados. E, nas ruas do país, há regiões de conflito de facções em ao menos 9 estados.

Estatuto estabelecido por facção criminosa em bairro periférico de Macapá (Reprodução/Record TV)
Estatuto estabelecido por facção criminosa em bairro periférico de Macapá REPRODUÇÃO/RECORD TV

O mapa das facções

As facções divididas por estado:

Acre: CV, PCC, Bonde dos 13, Ifara
Amapá: CV, PCC, Família Terror do Amapá, Amigos para Sempre, União do Crime do Amapá
Alagoas: CV, PCC
Amazonas: Cartel do Norte, PCC, CV, TCP, Crias da Tríplice
Bahia: PCC, Katiara, Comando da Paz, Caveira, Bonde do Maluco, Mercado do Povo Atitude, Ordem e Progresso, Bonde do Ajeita
Ceará: PCC, CV, Guardiões do Estado
Distrito Federal: CV, PCC e Comboio do Cão
Espírito Santo: PCC, Primeiro Comando de Vitória, Trem Bala
Goiás: PCC, CV, Família Monstro
Maranhão: Bonde dos 40, PCM, PCC
Mato Grosso: CV
Mato Grosso do Sul: PCC
Minas Gerais: PCC, Família Monstro
Pará: PCC, CV, Comando Classe A, Bonde dos 30, União do Norte, Equipe Rex, Equipe Real
Paraíba: PCC, Okaida, EUA
Paraná: PCC, Máfia paranaense
Pernambuco: PCC, Okaida
Piauí: PCC
Rio de Janeiro: CV, Amigo dos Amigos, Terceiro Comando Puro, Milícias
Rio Grande do Norte: PCC, CV, Sindicato do Crime
Rio Grande do Sul: Abertos, Bala na Cara, Os Manos, Comando Pelo Certo, Farrapos, Unidos pela Paz, Os Tauras, Vândalos, Mata rindo, Grupo K2, Cebolas, PCI e PCC
Rondônia: PCC, CV, Primeiro Comando do Panda
Roraima: PCC, CV
Santa Catarina: PCC, Primeiro Grupo Catarinense, CVSC, Força Revolucionária Catarinense, Primeiro Crime Revolucionário Catarinense
São Paulo: PCC
Sergipe: PCC, Bonde dos Maluco, CV
Tocantins: PCC, CV, Máfia tocantinense

Fonte:Núcleo de Jornalismo Investigativo da Record TV

O Sudeste: Das origens às multinacionais do tráfico

Ostentando uma arma de grosso calibre, adaptada para rajadas de 50 tiros caso seja necessário, o chefe do tráfico de uma das principais favelas do Rio de Janeiro desce até o meio do morro para conversar com repórteres investigativos da Record TV.

Acompanhado de um traficante, tido como seu braço direito, e de seguranças, também fortemente armados, ele era cumprimentado, a cada beco ou viela da favela, por moradores e por adolescentes que se tornaram traficantes muito cedo. Era noite de jogo do Flamengo e a favela estava em polvorosa.

Para aceitar ceder a entrevista, o traficante e seu braço direito fizeram apenas dois pedidos: suas identidades e a favela onde viviam deveriam ser preservadas. “De resto, pode me perguntar, que eu te respondo”, disse. Antes de a gravação iniciar, o chefe do tráfico citou que, mesmo morando próximo da praia, não poderia, nunca, frequentá-la.

“Eu não preciso e não posso ir para a praia. Sou procurado pela polícia. Minha foto está estampada por aí. Mas, aqui, a minha vida é boa. Tudo o que eu preciso chega até mim: roupas, joias, comida, bebida, baile e mulher”, afirmou.

Sem perspectiva de mudar o rumo de sua vida, ele aceita o limite daquilo que pode ter.

Os dois traficantes são membros do Comando Vermelho. Ambos afirmam que nem sequer se recordam quantas pessoas já mataram. Entre as vítimas, faccionados rivais e policiais. “É normal. A gente está sujeito a isso”, afirmou o chefe. Questionado se tinha algum arrependimento, ele negou: “Na guerra, você mata ou morre.”

O traficante braço direito do chefe local complementou: “Estudei, fiz curso, trabalhei, depois vim para esse lado. Estou há 8 anos no tráfico. Fui me envolvendo cada vez mais, levando coisa ali, levando coisa aqui, ajudando o amigo ali, escondendo outro aqui. Quando vai ver, já está com a arma na mão, envolvido”.

Ele ficou seis anos preso. E diz que faz e fará de tudo para não voltar para a cadeia. “Aqui fora, tem disputa por venda de ponto de droga, por local, por arma. Tu vai sobrevivendo”, disse o braço direito.

O Comando Vermelho é a facção criminosa em atividade mais antiga do Brasil, fundada em 1979, no Instituto Penal Cândido Mendes, no Rio. “A ditadura colocou lá presos que tinham crimes ligados à segurança nacional. Como o crime começou com roubos a bancos e os grupos da esquerda armada também faziam roubos a bancos, então, presos comuns e presos políticos foram colocados juntos na Ilha Grande e, de lá, emergiu a construção da facção”, explicou o sociólogo José Cláudio de Souza Alves, da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).

Com o passar dos anos, além do CV, surgiram outras facções criminosas no estado. Mas quem ganhou força, mesmo, foram as milícias. “Hoje, as milícias ocupam 57% dos territórios ocupados por grupos armados no Rio de Janeiro. A milícia é o estado. É o poder do estado que está ali de forma criminosa”, complementou o professor Alves.

De acordo com o sociólogo Gabriel Feltran, da UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos), “se antes existia a lei do mais forte, depois, surgiu um terceiro elemento, que seria: ‘Não vou resolver na força, vou chamar um irmão e vai sentar todo mundo e os irmãos vão intermediar os debates’, ou seja, foi produzida uma ordem num mundo onde a ordem era a violência”.

Em São Paulo, essa união se manifestou na penitenciária de Taubaté, no interior do estado, em 1993. Os presos temiam que pudesse acontecer com eles algo parecido com o que ocorreu um ano antes, na antiga Casa de Detenção da capital paulista. “Os caras falaram: ‘Ou a gente vai se defender ou a gente vai ser exterminado como os outros companheiros lá no Carandiru’.

Tanto que, no primeiro estatuto do PCC, o Massacre do Carandiru é citado. O surgimento da facção foi uma reação a esse tipo de política de estado”, afirmou Feltran.

Depois da criação, a primeira demonstração de força foi em 2001, quando os integrantes do PCC fizeram uma megarrebelião no sistema penitenciário paulista. “A rebelião nos levou a descobrir que havia um sistema complexo de comunicação entre os presos, através de conferências de chamadas. Eles usavam as famílias em diversos locais do estado, compravam telefones e criavam central de chamadas”, relembrou à Record TV o atual delegado-geral de SP, Ruy Ferraz Fontes.

Anos depois, em maio de 2006, o PCC conseguiu parar a cidade de São Paulo com uma sequência de ataques simultâneos contra as forças de segurança estaduais. Segundo o secretário da Segurança Pública à época, Marco Vinício Petrelluzzi, os crimes cessaram após os membros do PCC terem percebido que morreriam mais pessoas ligadas à facção ou inocentes moradores de bairros de periferia do que policiais.

Ao longo do tempo, uma versão que nunca foi confirmada oficialmente aponta que o governo paulista teria negociado uma rendição com o chefe do grupo: Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola. Sob essa suspeita, deputados federais chegaram a interrogá-lo, em Brasília, mas a hipótese não prosperou.

Depois, o PCC passou a ter como prioridade a venda de drogas para outros países e continentes. Atualmente, a facção paulista é apontada, inclusive, como parceira comercial da máfia italiana ‘Ndrangheta, tida como a maior organização criminosa do mundo por autoridades europeias. “Hoje, o PCC está lucrando em torno de R$ 500 milhões por mês”, disse o promotor Lincoln Gakiya.

Traficante do Rio de Janeiro diz que não sai de casa sem sua arma (Reprodução/Record TV)
Traficante do Rio de Janeiro diz que não sai de casa sem sua arma REPRODUÇÃO/RECORD TV

As facções na região Sudeste do Brasil:

– PCC:

Presente em quase todos os estados do Brasil, além do Paraguai e Bolívia, tem 90% do seu faturamento proveniente do tráfico de drogas, porém também atua em assaltos a transportadoras de valores e em roubos de carga de grandes valores. Difere os negócios da facção e dos faccionados.

O PCC teve quatro fases desde a sua criação: Entre 1993 e 2001, estava em expansão territorial; entre 2001 e 2006, ampliava sua influência; entre 2006 e 2011, adotou caráter mais discreto; e desde 2011 está numa fase de confrontos seletivos, com disputa interna. Atualmente, o principal foco da facção é o tráfico internacional de cocaína.

– Comando Vermelho:

A segunda maior facção criminosa do país surgiu em 1979 no extinto presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Suas primeiras fontes de renda eram assaltos a bancos e joalherias. Mudou seu comportamento, migrando para o tráfico de drogas, com a ascensão de Marcinho VP, em 1999.
As bases mais importantes do CV atualmente estão nos complexos do Alemão, Chapadão e Salgueiro, além das favelas da Chatuba, Antares e Rocinha. Com a chegada das UPPs, expandiu e cresceu para o sul fluminense, sobretudo na região de Angra dos Reis e Paraty, além de outros estados, como Ceará, Mato Grosso e Pará.

– Amigo dos Amigos:

Criada entre 1994 e 1998 no sistema penitenciário do Rio de Janeiro. Sua composição original é formada por dissidentes do CV. Inicialmente, era aliada do TC (Terceiro Comando), também dissidente do CV. Depois da morte de um líder do TC numa rebelião que ocorreu em Bangu em 2002, a aliança foi desfeita. O TC, depois, foi extinto, e alguns de seus integrantes migraram para o ADA.

Depois de perder o controle da favela da Rocinha para o CV, perdeu, consequentemente, espaço na capital fluminense. Uma afinidade que tem com o TCP (Terceiro Comando Puro) pode ajudar na sua atuação na região metropolitana da capital. Seu status anterior é tido por autoridades da segurança pública como irrecuperável.

– Terceiro Comando Puro:

O TCP foi criado no Complexo da Maré em 2002. Suas bases são concentradas principalmente nas zonas Norte e Oeste do Rio. Suas bases importantes estão na Serrinha e complexos do Dendê, Maré, Pedreira e Senador Camará. Sua composição original era formada por dissidentes do TC, ADA e CV. Atualmente, é formada de novos integrantes do TCP e de dissidentes do ADA.

O TCP disputa territórios com o CV no interior do Rio, principalmente nas regiões de Volta Redonda, Barra Mansa, Angra dos Reis e Paraty. Tem laços com o PCC e com milícias.

– Primeiro Comando de Vitória:

O PCV é uma facção que não entra em conflito com o PCC no Espírito Santo. A facção é liderada por um casal: Paulo Cezar Moreira Junior, o PC, e sua esposa, Rayane Cardoso Sant’Anna. Em maio de 2011, a polícia local interceptou um “salve” que determinava ataques a ônibus, bancos, agentes públicos e três presos que delataram a facção ao Ministério Público.

– Trem Bala:

Surgiu em 2012 após conflito com o PCV pelo bairro da Penha, em Vitória. Não tem estatuto ou regras definidas para adesão ou permanência. Inclusive, há integrantes que também são do PCV. Por ser menor que o PCC e o PCV, evita conflitos. Seu líder é Carlos Alberto Furtado da Silva, o Nego Beto, que é ex-PCV.

Amapá: O Triângulo da Morte

De cima da muralha do Iapen (Instituto de Administração Penitenciária do Amapá), policiais penais observam um pequeno presídio, situado na capital, Macapá, aparentemente calmo. Aparentemente porque a vista de cima da muralha é muito diferente da que se estiver dentro de uma cela do local. É de lá que partem, de faccionados, ordens de crimes violentos a serem cometidos no estado, como, por exemplo, tortura e homicídios.

PCC e CV estão presentes no Amapá — dentro e fora do cárcere. No entanto, o estado é o único que tem, além das facções nacionais, facções locais que fazem frente às maiores. São elas: FTA (Família Terror do Amapá), APS (Amigos Para Sempre) e UCA (União do Crime do Amapá). As cinco facções e uma polícia que nunca teve um policial condenado por excesso são a razão pela qual anualmente o Amapá figura entre os estados mais violentos, proporcionalmente, e com maior letalidade policial do país.

A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) aponta a migração de dissidentes do PCC e CV para a FTA e APS, respectivamente. De acordo com dados da segurança pública estadual, enquanto FTA e APS reúnem 7.000 criminosos, PCC e CV chegam a 500 e 300 integrantes, respectivamente.

Para combater as facções, o estado inaugurou um departamento especializado na Polícia Civil. O delegado-geral, Antonio Uberlândio Azevedo Gomes, apesar de tentar valorizar a estrutura que possui, deixa a entender, nas entrelinhas, que a polícia não tem condições de enfrentar efetivamente o crime organizado no tocante à investigação. Falta pessoal.

Enquanto isso, a violência causada pelas facções faz diversas vítimas. Felizia Melo de Araújo da Silva chora a morte do filho desde maio do ano passado. Marcelo Araújo da Silva foi assassinado com um tiro no pescoço, em um conjunto habitacional de Macapá, enquanto empinava pipa em maio do ano passado. “Ele gostava de ajudar a comunidade, de ir à igreja, gostava de música. Agora, só restou saudade”. De acordo com a Divisão de Homicídios da Polícia Civil, Marcelo era inocente: Ele foi alvo de um faccionado que caçava um membro de uma facção rival. Marcelo estava no lugar errado, na hora errada.

Inocentes no Amapá, porém, não morrem apenas com tiros disparados por faccionados. A cidade de Santana, vizinha à capital Macapá, abriga uma família que busca por justiça. Sandro Xavier Gomes, de 25 anos, conhecido como Pitito, foi morto pela PM em 20 de abril de 2020, com dez tiros. Inicialmente, os militares divulgaram que ele roubou uma pessoa, teria resistido a uma abordagem e portava uma arma. Eles disseram, ainda, em entrevista para a televisão, que Gomes pertenceria a uma facção criminosa. Os familiares de Pitito negam essa versão veementemente e estão, desde então, empenhados na campanha #justiçapelopitito.

Os policiais foram indiciados por homicídio nesse caso, mas a denúncia não foi apresentada pelo Ministério Público. Como de costume. A promotora Andréa Guedes Medeiros, integrante do Gaeco do Amapá, em entrevista à Record TV foi bastante vocal na defesa da atividade policial no estado. Para ela, os policiais que matam estão bem preparados.

O que corrobora com a entrevista cedida pelo comandante-geral da PM, o coronel José Paulo Matias dos Santos. Segundo ele, os policiais são prestigiados pela população. Em um exemplo de ação citada por ele, o coronel lembrou de um suspeito morto pela polícia com seis tiros: “Eram três policiais, cada um atirou duas vezes, então não foi execução.”

Apesar das declarações oficiais, uma morte em plena noite de Natal de 2020 chamou a atenção pela brutalidade. Emerson de Almeida, de 23 anos, estava na casa da mãe, em Santana, quando policiais do Bope procuravam um faccionado no bairro em que morava e que tinha cabelo pintado de amarelo. Benedita Márcia Almeida, mãe do rapaz, conta que, naquela noite, seu filho, ao perceber a movimentação da polícia, por curiosidade, foi até a frente do portão observar. Assim que colocou a cabeça para a calçada, foi baleado. Morreu na hora.

A PM afirmou à imprensa, na época, que o filho dela seria um faccionado. Ela nega. E diz que, além de ter perdido o filho, foi agredida e ameaçada por policiais, minutos depois do disparo. Segundo Benedita, os policiais arrombaram a porta da casa e comeram a ceia de Natal preparada pela família. Na sequência, quebraram móveis. Na saída, a mãe conta que um dos policiais passou o dedo na poça de sangue ao lado do corpo e começou a tingir, com traços do sangue, a parede da garagem da casa. Seis meses depois, quase todas as manchas de sangue saíram. Apenas uma permaneceu: Em cima da imagem de Jesus Cristo crucificado, que já existia ali antes da morte de Emerson.

Benedita Marcia Almeida, mãe de Emerson de Almeida, de 23 anos, morto pela polícia no quintal de casa no Natal de 2020 (Reprodução/Record TV)
Benedita Marcia Almeida, mãe de Emerson de Almeida, de 23 anos, morto pela polícia no quintal de casa no Natal de 2020 REPRODUÇÃO/RECORD TV

As facções na região Norte do Brasil:

– Cartel do Norte (Ex-Família do Norte):

Surgiu entre 2010 e 2011. Seus primeiros nomes foram “Amigos do Amazonas”, “Primeiro Comando do Norte” e “Família do Norte”. Há quem chame, atualmente, de CDN (Cartel do Norte), mas é conhecida nacionalmente como FDN (Família do Norte). Sua principal área de atuação é no Amazonas, tendo o tráfico de drogas como atividade principal e roubos a bancos como atividades secundárias.

Em 2017, houve no Amazonas um primeiro racha. Com isso, surgiu o CV no estado. José Roberto Fernandes Barbosa, vulgo Avatar ou Pertuba, aliado a João Pinto Carioca, vulgo João Branco, brigaram e ganharam o comando da facção contra Gelson Lima Carnaúba, vulgo Mano G.

Em 2019, houve um segundo racha. Dessa vez, Pertuba ganhou a disputa contra João Branco. Desde então, ficou estipulado que haveria contribuições mensais e ficaram suspensas temporariamente ameaças contra autoridades.

Autoridades brasileiras apontam que o CDN basicamente se beneficia de áreas de difícil acesso e de baixa fiscalização para atuar no tráfico internacional.

– Facções no Acre:

O Acre tem quatro facções criminosas: as aliadas Primeiro Comando da Capital, Bonde dos 13 e Ifara (antiga Resistência Acreana), e a rival das três: Comando Vermelho.

A Ifara é a menor e a mais antiga do Acre. Foi fundada entre 2002 e 2005 no Complexo Penitenciário Francisco de Oliveira Conde. Atualmente, ela está concentrada no município e no presídio de Tarauacá.

A facção Bonde dos 13 foi criada em 12 de junho de 2013. Sua cúpula tem 13 integrantes. Seu principal líder, apontado como “discreto, mas influente”, é Francisco das Chagas Silva. Sua atividade principal é o tráfico de drogas. O roubo de banco também é feito, mas de maneira secundária. Há registros de extorsões feitas pelo grupo a comerciantes de Tarauacá e de Feijó.

A B13 tem lideranças responsáveis por formar núcleos de “soldados” soltos pela Justiça ou sem passagem criminal. Esses “soldados” são escalados para praticar assaltos, sequestros e assassinatos de X9s. É tida como uma facção mais violenta do que as demais. No entanto, vem perdendo espaço, junto ao PCC, para o CV.

As autoridades apontam que, depois da morte de Jorge Rafaat Toumani, em junho de 2016, a B13 perdeu influência no estado juntamente com o PCC. Atualmente, no Acre, quem domina o Vale do Juruá e Cruzeiro do Sul, próximo da fronteira com o Peru e com a Bolívia, é o CV. Aquela região é importante para o tráfico internacional de drogas porque é de lá que chega boa parte da cocaína produzida em território peruano.

O CV controla todos os afluentes do Rio Juruá, exceto o Moa, que é da B13, e também controla todo o tráfico de drogas em Cruzeiro do Sul.

– Rondônia:

Estruturado por Fernandinho Beira-Mar quando esteve no presídio federal de Porto Velho, o CV é a facção criminosa mais antiga no estado, com registros de presença desde pelo menos 2009. Lá, existem núcleos duros do grupo nas cidades de Ariquemes e Vilhena. O PCC se instalou em meados de 2012, com núcleos em Rolim de Moura e Cacoal. A rivalidade entre PCC e CV é maior dentro das cadeias do que nas ruas.

Pelo estado, PCC e CV escoam pasta base de cocaína que vem de Guayaramerín, na Bolívia. Parte da droga fica estocada no estado. O restante segue para Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, como destinos temporários, antes de chegar para São Paulo ou Rio de Janeiro, os destinos finais.

– Roraima:

O estado é dominado pelo PCC depois de a facção ter exterminado integrantes do CV e do CDN. Há poucas disputas territoriais, já que o mercado local é fraco. Lá, o PCC é voltado para os negócios com grupos da Venezuela e da Guiana. Indígenas são tidos como público-alvo para o tráfico de maconha.

– Amapá:

Trata-se do estado com maior letalidade policial do país, proporcionalmente, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. As autoridades que acompanham a situação local dizem que o cenário é sem hegemonia perceptível. A maior facção no estado é a FTA (Família Terror do Amapá).

Em 2018, dissidentes do PCC e do CV migraram para as facções locais FTA e APS (Amigos Para Sempre). Um ano depois, houve rompimentos das facções locais com o PCC e com o CV. A única aliança identificada é da APS com o CDN. De menor expressão e localizada em dois municípios, está a UCA (União do Crime do Amapá).

– Pará:

O PCC foi detectado no estado em 2006, está bem estruturado e segmentado no Pará. Seu principal inimigo é o CV, já seu principal aliado é o CCA (Comando Classe A). A facção paulista é influente dentro dos presídios, mas não hegemônica nas ruas. Já o CV foi detectado em 2009 e, atualmente, é a principal facção do estado. O CV cresceu utilizando a mesma tática que usou em outros estados: fez cooptação para batismos e fomentou cisões no PCC.

Ainda no Pará, há a presença do CDN, que é menor do que o PCC e o CV. Sem alianças, está quase em extinção na localidade. A CCA, também conhecida pela sigla 331, surgiu em Altamira, onde é tida até hoje como muito forte. Antigamente, era aliada do CV, agora é do PCC e tem emissários no Peru.

Menores, ainda existem a Equipe Rex, que tem seu QG no bairro Terra Firme, na periferia de Belém, é aliada ao CV, mas está em processo de extinção. A Equipe Real, também aliada ao CV, é influente em Ananindeua, na região metropolitana de Belém. E o Bonde dos 30 foi criado em 2014 depois da morte de um líder de um grupo de extermínio, mas vem perdendo força.

– Tocantins:

O PCC era absoluto no estado até 2009. Depois de uma rebelião ocorrida naquele ano, lideranças da facção foram transferidas para o sistema penitenciário federal. Com isso, o CV se fortaleceu no local, chegando a ser a maior facção até 2016. Em 2018, o PCC voltou a se recuperar no território e é, até hoje, a facção predominante no local. O estado é usado pelas duas facções como um local de entreposto da cocaína que chega dos países produtores. O clima é tido como tenso entre as duas facções dentro e fora dos presídios.

Nordeste é a região com mais facções

Na periferia do Ceará, estar livre não quer dizer o mesmo que ser livre. Você pode estudar, trabalhar e ter uma família bem estabelecida. E, mesmo assim, não ser livre o suficiente para atravessar uma rua, frequentar uma escola ou ir para um posto de saúde. Isso acontece se você mora em um bairro dominado por uma facção e precisa se dirigir a um bairro dominado por outra facção. Esse é o principal fenômeno criminal estipulado pelas facções GDE (Guardiões do Estado), PCC e CV no estado cearense.

O controle dos territórios não se dá apenas por meio dos bairros. A divisão é ainda menor: por quarteirões. A movimentação dos moradores é observada por olheiros de cada um dos grupos. Eles questionam por que uma pessoa está simplesmente transitando por uma área e podem matá-la se não ficarem satisfeitos com a resposta da pessoa. São as chamadas “mortes por nada.” De acordo com o secretário da Segurança Pública do Ceará, Sandro Caron, 80% dos homicídios registrados no estado têm ligação direta com a atuação das facções criminosas.

O município apontado como o mais violento do Brasil pelo último anuário publicado pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) fica no Ceará. Trata-se de Caucaia, que teve 360 mortes violentas intencionais em 2020 — uma taxa de 98,6 homicídios para cada 100 mil habitantes. A Record TV foi até o local. Em uma favela, eram visíveis pichações do CV e o medo entre os moradores. Ali, duas pessoas contaram que foram expulsas de casa, por integrantes do CV, porque os traficantes achavam que eles tinham ligação com uma outra facção, que dominava ali antes do grupo carioca. Isso não é raridade. São comuns casos como esses no Ceará.

Mas há jovens que conseguem deixar essa dinâmica criminal para trás. É o caso de um rapaz de 21 anos, que ficou perto da morte incontáveis vezes. Duas delas foram marcantes, porém. Membro do GDE, ele foi baleado por integrantes do CV e, por pouco, não foi executado ao ser capturado por membros da quadrilha rival. Enquanto estava sob posse dos inimigos, um líder comunitário soube da notícia e foi até lá. Ao chegar, ouviu dos membros do CV que, para libertá-lo, o mediador teria que se responsabilizar pelo rapaz e ouvir a promessa de que ele teria um emprego no dia seguinte.

Assim, o líder comunitário decidiu comprar 10 galinhas para o jovem cuidar. Meses depois, o rapaz continuava cuidando das galinhas. “Parte delas eu vendo. Outra parte, crio. Os ovos, a mesma coisa. Eu deixo chocar pelo menos 10 ovos, sempre. Aí nascem 10 pintinhos e posso entregar pra outros 10 amigos saírem da facção e seguirem um caminho melhor”, afirmou. “Agora eu consigo ir até a casa da minha mãe, porque não devo mais nada pra eles. Consigo sair e fazer tudo o que antes não dava. Aquela vida é sem futuro”, complementou.

Já na Bahia, existe uma forte conexão do crime organizado com o chamado “Novo Cangaço” – termo que é controverso. Alguns especialistas preferem chamar o fenômeno de “domínios/tomadas de cidade”. Um dos maiores estados da federação, a Bahia tem a ação forte de facções criminosas nas grandes cidades. No entanto, a conexão delas com o interior se dá principalmente a partir dos grandes assaltos em pequenos municípios.
Em maio de 2021, a pequena cidade de Correntina, localizada no oeste do estado, foi palco de uma sequência de explosões de três agências bancárias em uma mesma madrugada. A caçada aos criminosos mobilizou a polícia de toda a Bahia e terminou num confronto a 300 km do local do assalto, onde parte da quadrilha morreu.

O servidor público Yan Vítor da Silva foi um dos três reféns mantidos pelos criminosos que assaltaram a cidade na ocasião. Depois de ter passado a noite com alguns amigos, ele circulava de motocicleta por Correntina quando foi interceptado por parte da quadrilha que atuava na avenida da cidade onde estão concentrados os bancos. Encapuzados, os assaltantes não falaram muito enquanto mantiveram as vítimas sob a mira de armas de grosso calibre.

“O ataque simultâneo pareceu bastante planejado. Uma coisa daquela parecia filme. Foi um pânico. Fiquei com muito medo de morrer”, relembrou.

O pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) Felipe Freitas disse que as corporações acabam ficando mais interessadas em conduzir operações do que conceber políticas de verdadeira prevenção ao fenômeno. Além disso, afirmou que esses ataques e explosões fazem com que os pequenos municípios fiquem vítimas da situação por muito tempo. Isso porque os moradores se deslocam para outros locais, onde há agências bancárias, e acabam desembolsando os recursos nesses lugares.
É o que relatou um senhor deficiente, morador da cidade, que depende de benefícios governamentais. Sem uma perna, ele precisa viajar mais de 50 km para a cidade vizinha, Santa Maria da Vitória, e relata que acaba fazendo as compras por lá mesmo.

Um oficial da inteligência da Polícia Militar da Bahia, que pediu para não ser identificado, esteve presente nas buscas aos criminosos de Correntina. “Eles fugiram para Maracás, a 500 km do local do assalto. No final, nove suspeitos foram localizados. Cinco morreram.”

Mulher caminha em região dominada pela facção criminosa GDE, em Fortaleza (Reprodução/Record TV)
Mulher caminha em região dominada pela facção criminosa GDE, em Fortaleza REPRODUÇÃO/RECORD TV

As facções na região Nordeste do Brasil:

– Maranhão: Bonde dos 40:

Surgida entre 2010 e 2011, a facção foi detectada pelas autoridades em janeiro de 2014. Originada em presídios de São Luís, sua área de atuação se restringe ao Maranhão. Seu principal concorrente é o CV. Por isso, para hegemonia territorial, é aliada no Maranhão com o PCC.

– Ceará: Guardiões do Estado:

O GDE, ou 745, foi fundado em 2015 como dissidência do PCC no Ceará. Em 2016, estabeleceu uma parceria com o PCC para conquistar territórios. Em 2019, a parceria foi desfeita, mas sem rusgas. É abastecida por drogas do Cartel de Cali, na Colômbia, por meio de fornecedores no Peru e na Bolívia. Atualmente, seus rivais são o PCC e o CV.

– Rio Grande do Norte: Sindicato do Crime:

Fundada em 27 de março de 2013, o Sindicato do Crime é uma dissidência do PCC. Seu líder é Marcelo André de Oliveira, o Bença. Mais armado, tem sua estrutura semelhante com a do PCC, que é tido como seu principal inimigo. Como estratégia, a facção tenta cooptar integrantes do PCC e vende drogas com preço mais barato no Rio Grande do Norte. As autoridades apontam a facção como a maior do Nordeste contra o PCC.

– Paraíba: Nova Okaida e EUA:

A Nova Okaida é grupo criminoso paraibano dissidente da Okaida, fundada em 2002. Age no tráfico de drogas e em roubos a bancos. Seu líder é José Roberto Batista dos Santos, o Betinho. Para ser integrante da facção, é necessário um homicídio, mesmo que não haja condenação. Costuma delimitar seus territórios com pichação em imóveis. É a facção com mais integrantes e com maior domínio territorial da Paraíba.

Não associada nem ao PCC nem ao CV, embora não seja inimiga, tem a maioria dos pontos de venda de drogas de João Pessoa e região metropolitana. Prioriza cooptar fornecedores do que integrantes de outras facções. Sua principal inimiga é a facção Estados Unidos.

A EUA, fundada em meados de 2008, é formada por dissidentes e opositores da Okaida. Costuma delimitar suas áreas com pichações da bandeira dos Estados Unidos e tem alianças comerciais e operacionais com o PCC. Como tática de tentativa de crescimento no estado, coopta menores de idade e vendem oxi, um subproduto da cocaína.

– Bahia:

Comando da Paz:

O CP surgiu em 2002, em um presídio de Salvador, como um setor do PCC responsável pela interlocução entre presidiários e autoridades. Em 2004, com a prisão de Raimundo Alves de Souza, o Ravengar, o CP se expandiu por Salvador, com uma estrutura hierárquica semelhante com a do PCC. Tinha acordos comerciais com o PCC, mas se aliou ao CV posteriormente. Seus principais concorrentes são: Caveira, Bonde do Maluco e Katiara.

Caveira:

Se diz o PCC na Bahia. Foi detectada dentro do sistema penitenciário local em 2004. De 2004 a 2007, manteve disputa territorial intensa com o Comando da Paz. Tem acordos comerciais com o PCC de São Paulo, mas opera à parte. Seus principais inimigos são o Comando da Paz e o Katiara. Tem parceria com o Bonde do Maluco.

Katiara:

Fundada em 16 de outubro de 2013. Antes disso, o grupo se chamava Primeiro Comando Recôncavo. O atual nome era o mesmo nome de uma rua onde morava a companheira de um dos fundadores. Seu escopo é fortalecer o crime na Bahia, respeitando a existência (não os territórios) das demais facções que atuam no local. Tem aliança com o Terceiro Comando Puro, do Rio de Janeiro, e tem o CV declarado como inimigo.

Apesar de ter menos territórios em Salvador do que o CP e a Caveira, é a que mais detém armas de grosso calibre, como fuzis e metralhadoras. As autoridades dizem que o grupo é forte no “Novo Cangaço”, modalidade de crimes de roubo a banco que estão ocorrendo em cidades de pequeno/médio porte no Brasil nos últimos dois anos.

Bonde do Maluco:

O BDM foi fundado em 2014 no presídio de Salvador. No estado, está aliado a Caveira e à facção MPA (Mercado do Povo Atitude). É tida como a facção mais forte do Novo Cangaço e está em franca expansão por Salvador. Representa o varejo do PCC na Bahia, mas é tida como a facção que mais cresce no estado, cooptando rivais.

Mercado do Povo Atitude:

O MPA trata-se de uma facção pequena, mas em expansão pelo Sul da Bahia, principalmente na região de Porto Seguro, com apoio do BDM e do PCC. Seu líder é André Márcio de Jesus, o vulgo Buiu. Seus principais concorrentes são o Primeiro Comando Campinho em Eunápolis.

PCC:

Filial da matriz paulista. Usa os mesmos símbolos, estatuto e códigos. Tem acordo de paz dentro e fora do sistema com CP, Caveira e Katiara, depois de desistir de enfrentar as facções locais pelo controle do varejo na Bahia.

– Piauí:

O PCC domina o estado sem concorrência à altura, dentro e fora dos presídios. O foco da facção no local é no tráfico de crack e na expansão de bocas de fumo em Teresina e Parnaíba.

– Pernambuco:

PCC sem lideranças importantes e CV minoritário. O crime organizado lá é pulverizado em pequenos grupos atuantes a partir do Agreste, especialmente em Limoeiro, Garanhuns e Caruaru. O sertão é polo de crimes contra bancos.

– Sergipe:

PCC é hegemônico com aliança com o Bonde do Maluco. CV existe mais é tido como insignificante. A cidade de Itabaiana é usada como entreposto para drogas destinadas a outros locais do Nordeste.

Da fronteira, o insumo

Longe dos portos, mas na fronteira com países produtores. O Centro-Oeste brasileiro é o principal ponto de entrada e de passagem do tráfico de drogas e de armas do Brasil. Autoridades públicas federais apontam que cerca de 80% da cocaína e maconha que entram no país passam, antes, por ali.

“A maioria dessa droga tem como destino não o Mato Grosso do Sul, mas, sim, os grandes centros consumidores e os estados onde estão baseadas essas facções, que mandam também através dos nossos portos e aeroportos, principalmente cocaína para outros países e continentes. Então, não é só uma preocupação nacional. É uma preocupação da América do Sul”, afirmou o secretário da Segurança Pública do MS, Antônio Carlos Videira.

No Mato Grosso do Sul, o PCC domina. No Mato Grosso, o CV. Goiás tem uma disputa entre as duas facções e a facção local Família Monstro. E o Distrito Federal tem, além das duas nacionais, também existe a facção local Comboio Cão.

A logística local é monitorada constantemente pelo DOF (Departamento Operacional de Fronteira), no Mato Grosso do Sul. Ali, foi identificada, pela primeira vez, a figura do “mateiro”: Criminosos locais que se escondem em pontos estratégicos, atrás de árvores, para observar e repassar informações relevantes de pontos de passagem da droga produzida nos países vizinhos.

Em meio a isso, nem a atuação da Senad (Secretaria Nacional Antidrogas), do Paraguai, e da DEA (a agência de repressão às drogas dos EUA) conseguem barrar a ação dos narcotraficantes, que chegam a tomar partes de territórios de fazendeiros para plantar, a contragosto, boa parte da maconha que é vendida no Brasil.

A região foi dominada, primeiro, pelo CV, com Fernandinho Beira-Mar. Depois, chegou o PCC. Ficou estipulado, ao longo dos últimos anos, que PCC usaria a fronteira com Pedro Juan Caballero, enquanto o CV, a fronteira com Capitán Bado. Após a morte do mega-traficante Jorge Rafaat, em 2016, o clima, que já era tenso, piorou.

No ano passado, o conflito entre facções terminou até com a morte da filha do governador de Amambay, cuja capital é Pedro Juan Caballero. “Minha filha foi a uma festa de aniversário de uma amiga, se encontrou com uma amiga e com o Bebeto [apontado como traficante ligado ao PCC], que é um rapaz que também morreu. Ao sair da festa, foram assassinados brutalmente por pessoas do crime organizado, com armas potentes, armas pesadas, que não mediram as consequências, mataram a todos, incluindo duas brasileiras estudantes de medicina”, relembrou o governador Ronald Acevedo.

“Minha filha também era estudante de medicina, do quarto ano, e nós cremos que o alvo era o Bebeto, mas mataram pessoas inocentes. É o que tenho a dizer sobre minha filha. Tinha 21 anos. Ia completar 22 agora, depois de amanhã. Vivia conosco. Estava no quarto ano de medicina”, complementou o governador.

Caminhão sob suspeita abordado na fronteira entre Pedro Juan Caballero e Ponta Porã (Reprodução/Record TV)
Caminhão sob suspeita abordado na fronteira entre Pedro Juan Caballero e Ponta Porã REPRODUÇÃO/RECORD TV

As facções na região Centro-Oeste do Brasil:

Mato Grosso: Comando Vermelho:

Fundada em 1999 na Penitenciária Central do Estado, para impedir a consolidação do PCC no sistema penitenciário local. Seu primeiro nome foi Primeiro Comando dos Cuiabanos. Em 2013, se tornou CVMT. É aliada da facção fluminense, mas tem autonomia administrativa e estatuto próprio. Hegemônico na penitenciária central, está em franca expansão por todo o sistema penitenciário do estado.

Mato Grosso do Sul: Domínio do PCC.

Goiás:

Disputa entre PCC e CV. O PCC é maior dentro e fora dos presídios. Enquanto o PCC prioriza a região próxima do Distrito Federal, o CV prioriza regiões próximas do Mato Grosso.

As prisões que fomentam o crime

“Eu tive que correr a agachar junto com a minha avó na cozinha. Os homens maus, com arma, entraram em casa procurando coisa, jogando tudo no chão. Minha avó ficou triste, começou a chorar”, disse B., de apenas 10 anos, morador de um bairro pobre de Florianópolis dominado pela facção PGC (Primeiro Grupo Catarinense). Seu colega de sala, M., de 9 anos, também relembra quando teve que correr da escola numa ocasião. “A gente estava jogando bola na quadrinha da escola. Aí começou o tiroteio. A tia [professora] pediu pra gente correr e eu corri tanto que só parei quando cheguei em casa”, afirmou. Naquela mesma quadra, hoje funciona uma aula comunitária de basquete.

No Sul do país, as facções se aliam às duas nacionais e inauguraram, há pouco, uma nova rota do tráfico internacional de cocaína. Com as crescentes apreensões no porto de Santos e nos portos do Nordeste brasileiro, as facções nacionais agora tentam chegar aos portos do Uruguai e da Argentina. Para isso, acontecem confrontos. Mas, antes dessa logística vigorar, já existiam dezenas de facções locais, sobretudo no Rio Grande do Sul, disputando espaços dentro e fora das prisões.

Construída na década de 1950, a Cadeia Pública de Porto Alegre, conhecida principalmente pelo antigo nome, de Presídio Central, é controlada, efetivamente, pelos presos. A organização do crime gaúcho começou por dentro, indo para fora com o fortalecimento do tráfico de drogas ao longo dos anos 1990.

O escritor e documentarista Renato Dornelles acompanhou os movimentos da segurança pública no Rio Grande do Sul por mais de 30 anos. Ele relata que os primeiros traços de organização do crime no estado apareceram no fim dos anos 1980, com a criação da facção Falange Vermelha — inspirada no Comando Vermelho carioca.

Com o tempo, ela perdeu força em favor das facções Manos (de inspiração paulista), dos Brasas e dos Abertos. Tudo isso no Presídio Central. A partir do meio dos anos 1990, sob os olhos da Brigada Militar, que passou a cuidar da segurança do presídio. Segurança essa das galerias para fora, porque, das galerias para dentro, o domínio é dos grupos criminosos.

Em 2007, aparecem os primeiros sinais da presença dos Balas na Cara e suas execuções violentas a partir do bairro do Bom Jesus. As decapitações e os esquartejamentos se avolumaram a ponto dos criminosos de outras facções criarem a Conexão Anti-Bala.

A socióloga Marcelli Cipriani entrou no Presídio Central para desenvolver sua pesquisa. Para ela, a gestão efetiva da cadeia pelos próprios internos atende igualmente a objetivos deles próprios (que controlam os locais e o fluxo de dinheiro) e do governo (que não precisa se preocupar em impor regras do lado de dentro).

Cipriani também coloca o quanto a paz dentro do presídio realmente se impõe, por mais que a guerra seja dura do lado de fora. Além disso, ela pesquisou que as subidas e descidas rápidas dos homicídios no estado têm relação direta com o movimento das facções, assim como apontam pesquisadores em São Paulo.

Jorge Luiz de Oliveira Gomes é um ex-policial que foi condenado a 73 anos de prisão, por diversos homicídios, e, por isso, viveu longos anos no presídio Central. “Para não morrer, tive que sair do papel de mocinho e ir para o papel de vilão. Tive que virar criminoso dentro da cadeia”, disse.

Hoje em liberdade, o ex-policial era o chamado “plantão” da galeria onde estava preso. Ou seja, era o representante do setor perante as outras galerias e à direção da unidade. Ele conta que as autoridades não circulam dentro do presídio.

Para a diretora do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), delegada Vanessa Pitres de Aguiar Corrêa, atualmente, cerca de 90% dos homicídios no estado têm ligação com as facções criminosas. Ela afirmou que uma pessoa ou um grupo criminoso ostentar uma coleção de homicídios foi símbolo de status por um bom tempo no Rio Grande do Sul.

Em frente à sede da direção da Polícia Civil gaúcha está o resumo da problemática que impulsiona, há anos, o fomento das facções. Sem vagas no sistema penitenciário, infratores da lei, que cometeram crimes que variam desde agressões simples até capturados pela Justiça, podem aguardar dias detidos dentro de uma viatura, com mão algemada ao volante, sob sol.

Quando o estado prende mal, não ressocializa. Ao contrário, fomenta e sustenta as facções.

Policial militar durante patrulhamento em favela de Santa Catarina (Reprodução/Record TV)
Policial militar durante patrulhamento em favela de Santa Catarina REPRODUÇÃO/RECORD TV

As facções na região Sul do Brasil:

Em Santa Catarina:

PGC (Primeiro Grupo Catarinense):

Fundado em 3 de março de 2003 na penitenciária de Florianópolis. Inimiga do PCC, tem com aliados nacionais o CV, o Cartel do Norte, a Okaida e o Sindicato do Crime. Forte dentro de Santa Catarina, não pretende se expandir para fora do estado e domina 10 regiões locais.

PCC:

Domina pelo menos seis territórios dentro de Santa Catarina. Fatura mais do que o PGC, mas tem como objetivo dominar as regiões portuárias para o seu principal negócio a nível nacional: o tráfico internacional de cocaína.

CV/SC:

Aliada ao PGC, o CV-SC não tem ligação com o CV no Rio. Usa o nome como “homenagem”. É voltada para crimes de lavagem de dinheiro, principalmente em Balenário Camboriú e Florianópolis.

Força Revolucionária Catarinense:

Foi fundada em 2012 por um membro excluído do PGC, que é dono, até hoje, de pontos de venda de drogas localizadas na Grande Florianópolis. Tem uma posição neutra na rivalidade entre PCC e PGC.

Primeiro Crime Revolucionário Catarinense:

Se coloca como oposição ao PCC e ao PGC. Dentro do sistema penitenciário, está centrado na penitenciária regional de Joinville. Fora da cadeia, atua no norte de Santa Catarina.

No Rio Grande do Sul:

Os Manos:

Fundada em 1996, é focada no tráfico de drogas, assaltos a comércios e enfrentamento contra policiais. Está centrada nos presídios de Porto Alegre, Charqueadas, Novo Hamburgo, Montenegro e Venâncio Aires. Trata-se da facção mais estruturada do Rio Grande do Sul. Seus principais rivais são a Bala na Cara, Frente Antibala e V7. Está associada ao PCC. Seu líder é Paulo Márcio Duarte da Silva, o Maradona.

Facção que mais lucra no Rio Grande do Sul, ela foca na “qualidade” dos territórios, não na quantidade de locais dominados. Prioriza cooptações, não batismos. Muito forte no interior do estado, mas não planeja influência fora do estado. Suas rotas de escoamento de cocaína incluem Argentina e Uruguai.

Bala na Cara:

Fundada em 2008 na Vila Bom Jesus, em Porto Alegre. É a facção mais violenta do Rio Grande do Sul, tendo como regra eliminar seus desafetos com tiros no rosto. Recruta traficantes menores com aluguel de armas e oferta de segurança em troca de dedicação ao grupo. Além do tráfico de drogas, é forte no roubo de carros. Estima-se de 1/3 dos carros roubados na região metropolitana de Porto Alegre tenham ligação com o grupo.

Já foi aliada ao PCC, mas atualmente é fechada com o CV. Seu líder é Luís Fernando da Silva Soares Júnior, o Múmia. São inimigos de Abertos e Os Manos. Suas rotas incluem Argentina e Uruguai. As armas do grupo chegam via Cidade do Leste, no Paraguai.

Abertos:

Tem no tráfico e no roubo de banco suas atuações principais. Seu maior rival é Os Manos, mas evita confrontos. Seus principais líderes são Juraci de Oliveira da Silva, o Jura, e Cláudio Adriano Ribeiro, o Papagaio.

Conceição:

Embora menor, tem muito contato com fornecedores de cocaína. Tem baixo grau de organização, é formada por traficantes e usuários de drogas. Seu chefe é Paulo Ricardo Santos da Silva, o Paulão da Conceição.

V7:

Fundada depois de 2010, faz principalmente a segurança de bocas de fumo para outras facções.

Da Rocinha para São Conrado, dos bairros pobres aos mais ricos: as facções estão em todos os lugares (Reprodução/Record TV)
Da Rocinha para São Conrado, dos bairros pobres aos mais ricos: as facções estão em todos os lugares REPRODUÇÃO/RECORD TV

Conteúdo: Núcleo de Jornalismo Investigativo da Record TV
Reportagem Investigativa: Luís Adorno, Tiago Muniz, Márcio Neves e Thiago Samora
Fotografia: Luís Adorno e Márcio Neves
Reportagem Televisiva: Sylvestre Serrano
Edição de texto da reportagem televisiva: Ana Albini
Estagiária: Erika Rodrigues
Chefe de Redação: André Caramante

Vice-Presidente de Jornalismo: Antonio Guerreiro
Diretores de Jornalismo: Aline Sordili, Clovis Rabelo, Rogério Gallo, Thiago Contreira e Marcelo Trindade
Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi
Estagiária: Erika Rodrigues

Local de trabalho para presos em Aquiraz, no Ceará (Reprodução/Record TV)

Local de trabalho para presos em Aquiraz, no Ceará REPRODUÇÃO/RECORD TV
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Fonte: Por Luís Adorno, Tiago Muniz, Márcio Neves e Thiago Samora, da Record TV