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Comunicação & Problemas

13 de setembro, 2021

Tá tudo errado   Está errado:… … o presidente da República ameaça por abaixo as instituições e justo no 7 de setembro, confirma a intenção […]

Comunicação & Problemas

Tá tudo errado

 

Está errado:…

… o presidente da República ameaça por abaixo as instituições e justo no 7 de setembro, confirma a intenção em discursos incendiários, ataca frontalmente o Supremo Tribunal Federal, insulta seus ministros, um deles chama “canalha” e promete não lhe cumprir as decisões.

Num único dia acumula suficientes razões para ser enquadrado em crimes diversos, dos comuns aos de responsabilidade ou no mínimo explícita, declarada intenção de cometê-los – o que vem dar no mesmo – e…

…E menos de 48 horas depois encontra respaldo nas instituições que agrediu para encenar mais um de seus recuos, monótona repetição do que tem feito quando lhe mostram que ultrapassou sabe-se lá qual das quatro linhas que diz conhecer da Constituição.

Ações positivas, mas…

Está errado.

Num primeiro momento acertou o presidente do Stf com tempestiva resposta aos arreganhos autoritários veiculados no Dia da Pátria. Foi secundado ainda mais assertivamente pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que expôs toda a indigência mental e covardia do ex-tenente em sua marcha batida rumo não se imagina aonde, enquanto lhe estão vedados os caminhos que tenta trilhar rumo à ditadura.

Menos direta mas ainda assim positiva foi a manifestação do presidente do Congresso e do Senado Federal em defesa do estado de direito, enquanto seu colega da Câmara dos Deputados esmerava-se em ser o que é, líder do centrão que sustenta o presidente e seus projetos espúrios mas, dessa vez, até lhe passou um recado: melhor não tentar sair da moldura constitucional.

Sem desculpas

Está errado.

Ainda nem se decantavam as consequências do imbróglio e o ministro do Stf chamado “canalha” pelo presidente da República atendeu a telefonema do agressor e deixou fluir a versão palaciana de que se entenderam; isso sem ao menos um pedido formal e público de desculpas.

Não se sabe ainda se pior ou menos ruim, o mesmo ministro do Supremo, que aliás preside inquéritos que investigam fake news antidemocráticas prestes a incriminar aliados de Bolsonaro, seus filhos e ele próprio, concorda em conversar longas quatro horas com o ministro da Justiça – função de estado que no atual governo tem-se confundido com a de advogado pessoal do presidente.

Agressão ignorada

Está errado. Um ex-presidente da República, respeitado constitucionalista e notável politicamente por seus dotes de articulador, sai de seus cuidados para intermediar a conciliação entre o chefe do Executivo agressor e o ministro do Stf agredido; no caminho abstrai que a ofensa estendeu-se ao Supremo, cujas decisões o inquilino do Alvorada declarou não aceitar.

Tudo – reitere-se o absurdo da situação – sem que o agressor ensaiasse mínimas escusas.

Mau militar

Está errado, em síntese, que Bolsonaro apronte o que quer e ao menor sinal de que se disponha a recuar, conversar – arrependimento?, isso ele jamais demonstrou – acorram todos, pressurosos, a acomodar o ex-tenente belicoso que obra na Presidência da República o mesmo vezo autoritário da carreira parlamentar, anódina trajetória de sete mandatos na Câmara dos Deputados em que só apareceu para elogiar ditadura, ditadores e seus beleguins, lamentar não se houvessem fuzilado “pelo menos uns trinta mil”, justificar torturas, naturalizar estupros.

Trajetória, além do mais, coerente com a carreira inicial de “um mau militar” (apud general Geisel), protagonista de projeto terrorista que os superiores da época não tiveram a hombridade de punir.

Interlocutor errado

Está errada, leitor, não a tentativa reduzir tensões, evitar conflitos, buscar consensos mas a aceitação, no processo, das condições impostas por quem propugna o dissenso e sabe-se, desde sempre, que recusa in limine a política como ciência e arte de harmonizar a convivência, inclusive e sobretudo entre contrários.

Afora a vida pregressa, na Presidência Bolsonaro já demonstrou que não admite refutação a suas propostas e não se dispõe a conviver com adversários – até por que não os reconhece como tal: na cena política só identifica amigos e inimigos.

Conceder é fraquejar

Está errado conceder ao presidente-projeto-de-ditador algum benefício – qualquer benefício – para que em troca interrompa a marcha rumo ao caos; ele verá fraqueza na concessão, quererá mais, sempre mais e quando mais não houver a entregar-lhe terá conseguido o intento: presidirá sobre um Judiciário emasculado e um Legislativo acovardado.

Democracia suprimida

Bolsonaro e sua turma não inventaram o processo espúrio, que em diferentes estágios está em curso em várias nações: Venezuela, Turquia, Polônia, Filipinas, Hungria…

Em todos os casos há procedimentos comuns: começa-se por difundir discurso autoritário contra a política e os políticos, em seguida desmente-se o conceito ao obter (comprar, alugar…) apoios nos parlamentos e na confusão resultante parte-se para o ataque ao Judiciário.

Quando este é enfraquecido, são ‘aparelhados’ os procedimentos e seus integrantes cooptados ou neutralizados e assim o processo conclui-se com a relativização do estado de direito e supressão da democracia.

Paradigma

Com as variações de praxe o modelo é conhecido, assim como seu paradigma histórico: um certo cabo austríaco feito político populista na Alemanha da Constituição de Weimar (1919–33) valeu-se das garantias democráticas para chegar ao poder, em tempo de incertezas e forte polarização política; em seguida, mercê da tibieza e acomodações de aliados e adversários, suprimiu o estado de direito e tornou-se ditador.

Logo engajou a nação num processo revanchista contra as democracias europeias, cujos líderes não tiveram estofo para resistir e cederam-lhe quase tudo, na esperança de ‘apaziguá-lo’ – o verbo ‘apaziguar’ viraria sinônimo de ‘capitular’ àquelas exigências.

Quando se deram conta Adolf Hitler, poderoso e incontestado führer (chefe) de uma Alemanha armada até os dentes, estava pronto para desencadear a mais amplamente disseminada e mortífera guerra que a humanidade conheceu.

Lá como aqui

No processo ficaram tristemente famosos os artífices do apaziguamento do ditador – todos eles, então, respeitados líderes em seus países; e é perturbador encontrar analogias entre seu comportamento e o que fazem, aqui, os arautos da harmonização (apaziguamento) dos três poderes da República, na conturbada cena política brasileira de 2021.

Campeões da tragédia

O campeão das trágicas concessões na Europa de meados do século xx foi o primeiro-ministro britânico sir Neville Chamberlain, experiente líder do Partido Conservador, escudado em confortável maioria no Parlamento de Sua Majestade e apoiado por Lord Halifax, certo o mais influente político inglês de seu tempo.

Secundou Chamberlain o premier francês Édouard Deladier, por sua vez respaldado pelo herói nacional da então chamada Grande Guerra (1914–18), o marechal Pétain.

Dois outros líderes, aos quais a evolução subsequente concederia a qualificação de estadistas, opunham-se ao apaziguamento: Winston Churchill e Charles de Gaulle.

Antes como hoje

Ressalve-se: comparações entre fatos e fenômenos separados por décadas, ocorridos em nações e povos essencialmente diversos, sujeitam-se a imperfeições e não se devem tomar ao pé da letra; entretanto podem úteis à compreensão dos acontecimentos.

É assim que me permito brincar com o que me lembro da história europeia e mundial de meados do século xx e seus personagens, vis-à-vis o Brasil de hoje.

(Quer participar?, leitor?; discorde, corrija, sugira alternativas.)

Protagonistas e intérpretes

Vamos lá.

É claro está que no papel de Hitler estará Bolsonaro, mesmo a reconhecer que o cabo austríaco era menos tosco que o ex-tenente brasileiro.

Artur Lira, presidente da Câmara dos Deputados é convincente ao representar o apaziguador-mor, sir Neville Chamberlain e pululam candidatos a Deladier: Ciro Nogueira (ministro do Gabinete Civil da Presidência), Onix Lorenzonni (ministro do quê?, mesmo?), algum dos generais-ministros…

E Michel Temer – quem diria? – deixa seus cuidados na amena aposentadoria para interpretar Lord Halifax.

Falta alguém

Desgraçadamente não apareceu até agora um protagonista à altura do papel de Charles de Gaule e, muito menos, Winston Churchill, esse o estadista construtor do consenso entre as nações que permitiu derrotar a barbárie nazista.

Lugares-comuns

Foi só eu me distrair um pouco com a covid e alguns coleguinhas meteram os pés pelas mãos, escorregaram na maionese e confundiram focinho de porco com tomada, afora outras frases feitas idiotas de que me poderia lembrar.

Brincadeirinha!…, claro; não me arvoraria essa importância toda; mas é sério que um repórter e em seguida seu colega analista político embarcaram em sequência num mesmo equívoco – e era fácil acertar, bastava prestar atenção ao trabalho (lugar comum, de novo!…, mas deixa estar, aqui até que procede).

Convém antes, contar o que motivou tantos equívocos em sequência.

Até vocês?!

Aconteceu quando a Fiesp enrolou-se toda num manifesto que pretendia lançar há coisa de duas semanas em favor da democracia, portanto crítico ao governo Bolsonaro.

Não seria, pelo visto, movimento só dos donos de indústria; a entidade aceitaria adesões de outras categorias e a Febraban, a entidade nacional dos bancos, quis participar.

Tal intenção desagradou o pessoal de Paulo Guedes (como assim?, agora até essa turma atreve-se a criticar o governo?!) e o presidente da Caixa Econômica Federal foi escalado para dar o troco.

Tiro no pé

O irrequieto banqueiro estatal entrou na briga da pior forma possível: ameaçou retirar a Cef da Federação, no que seria seguida (prometeu) pelo Banco do Brasil. Esperava que os banqueiros de verdade, donos do dinheiro grosso (em oposição aos guindados a posições diretivas nos bancos estatais por injunções políticas) desistissem da afirmação democrática para não perder a companhia.

Mas foi ‘um tiro no pé’: os dirigentes da Febraban não ‘afinaram’ e enquanto a Fiesp tergiversava, produziram eles próprios seu arrazoado pro democracia, portanto contra o governo.

Federação contestada

As coisas estavam assim (mal)paradas – o anódino manifesto da Fiesp só apareceu na sexta-feira, 10.09 – quando a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) resolveu entrar na briga, do lado do governo e foi também contestada, dessa feita pelos principais dirigentes do agronegócio mineiro (que é poderoso); eles também quiseram um documento pra chamar de seu e criticaram, enfaticamente, os atos antidemocráticos de Bolsonaro.

Confusões

– E cadê o escorregão dos colegas? – haverá de impacientar-se um leitor.

Explico: o repórter afirmou que Fiemg “abrira uma dissidência” na Fiesp e o analista comentou algo semelhante sobre a atitude da Febraban. Quer dizer: um confundiu a Federação paulista com a Confederação Nacional da Indústria (Cni) que, ela sim, tem abrangência nacional; outro colocou os bancos sob o guarda-chuvas do ‘cartório’ das indústrias.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])