Brasília Agora


COLUNAS

Comunicação & Problemas

4 de outubro, 2021

O pacto com a morte e os empresários ‘democráticos’   Pacto com a morte Depoimentos de empresários bolsonaristas à Cpi da Covid confirmam o pacto do […]

Comunicação & Problemas

O pacto com a morte e os empresários ‘democráticos’

 

Pacto com a morte

Depoimentos de empresários bolsonaristas à Cpi da Covid confirmam o pacto do governo Bolsonaro com a morte e ao mesmo tempo desnudam a crueldade de parcela preponderante do empresariado brasileiro, insistente em apoiá-lo e decidida a dobrar a aposta – pouco se lhe dá se o apoio acrescerá mais mortes às centenas de milhares causadas pelo negacionismo genocida ao qual se associou.

Ainda mais se revelam conluio entre os esquemas do poder federal e o lúgubre pragmatismo de um plano de saúde especializado na terceira idade, expresso no inacreditável conceito segundo o qual óbitos e altas equivalem-se quando abrem vagas em utis e reduzem despesas.

Apoio reincidente

Conforme pesquisas recentes, cerca de metade dos empresários continua a respaldar os mandos e desmandos do ex-tenente. Na campanha eleitoral de 2018 eles estiveram quase unanimemente com Bolsonaro, o que aos otimistas de plantão até sugeriria algo positivo: cerca de 50% terão, hoje, percebido o erro.

Entretanto são poucos os arrependidos que publicamente o admitem, enquanto os reincidentes estão cada vez mais ativos no apoio explícito às teses do governo e parte deles no financiamento clandestino das milícias digitais do gabinete do ódio e congêneres.

Negócio e poder

O fenômeno haveria de provocar conjeturas sobre as motivações, comportamentos e subjacentes conceituações do empresariado quanto a sua concepção do capitalismo, aceita a premissa (que proclamam) de que o povo brasileiro tem preferido em sucessivas eleições os políticos que defendem a livre iniciativa, a mínima intervenção do estado e a supremacia do mercado na condução da economia, portanto nas decisões políticas – “É a economia!, estúpido”. E sobre a atuação dos líderes empresariais, vis-à-vis a (in)ação do governo no enfrentamento da pandemia.

Ambição e omissão

Emergiria dessas lucubrações a suspeita, a dizer o mínimo, de que a maioria do empresariado – que em nome do antipetismo embarcou alegremente na campanha de 2018 – esteve nem aí para os óbvios sinais de que o presidente fraquejou desde os primeiros desafios impostos pela pandemia, cuja ameaça menosprezou.

Tampouco reagiram, os donos do dinheiro, à exacerbação do desastre; antes, fizeram vista grossa ao acúmulo de contágios, à trágica contabilidade das mortes e persistiram no endosso à postura negacionista do governo, desprezando as recomendações da ciência e o mero bom senso. Pior, tudo isso em função da obtenção de maiores ganhos, conforme prometido pelo ministro da Fazenda.

Descompromisso

O desprezo à vida exibido pelo tal plano de saúde, o que considerava tanto mortes quanto altas hospitalares eventos de igual valor em sua contabilidade macabra, é emblemático do descompromisso dessa parcela do empresariado com os destinos da nação.

E não dá pra esquecer que Bolsonaro não se pejou em usar dados obtidos em suposto “estudo” do mesmo plano, que atestaria a eficácia da cloroquina e outros medicamentos vetados pela ciência no combate à covid-19.

Desrazões

Há outros exemplos, igualmente trágicos e as (des)razões da omissão motivada pela ambição foram cruamente explicitadas no episódio do manifesto produzido pela Fiesp (a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) pouco antes do 7 de setembro, aquele em que Bolsonaro perpetraria seus mais duros ataques à democracia e ao estado de direito.

Aquém dos propósitos

“A Praça é dos Três Poderes” – o mote inteligente atingiu o objetivo inicial de atrair atenções para o manifesto, antes mesmo de que se lhe conhecessem os termos; afinal, bons marqueteiros e publicitários nunca faltaram à elite empresarial paulista.

Partia, o manifesto, da ideia de que Executivo, Legislativo e Judiciário são entes equipotentes e autônomos, mas interdependentes – uma crítica velada, talvez demasiado velada às veleidades hegemônicas do Executivo sob o ex-tenente.

No mais o conteúdo pouco inovou e esteve aquém de outras manifestações pró-democracia, portanto contra o bolsonarismo; sequer citava o presidente, o agressor das instituições que o manifesto defendia.

Acidente de percurso

Um, digamos, acidente de percurso conferiria à iniciativa da Fiesp repercussão maior que a esperada.

Aconteceu quando a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) resolveu aderir, a emprestar alcance nacional e o prestígio do dinheiro grosso à iniciativa até então localizada – mesmo que em São Paulo, estado-líder da economia brasileira.

Foi suficiente para que um bolsonarista mais realista do que o rei assumisse as dores do chefe: o presidente da Caixa Econômica Federal, empresa pública e um dos grandes bancos associados, ameaçou retirá-la da Federação e insinuou que o Banco do Brasil seguiria o mesmo caminho.

Liderança acomodada…

Era ameaça de improvável concretização, o cisma interessaria a ninguém mas mesmo assim a Febraban ‘piscou’ e a Fiesp adiou a publicação do manifesto, afinal vindo à luz após os arreganhos do 7 de setembro e já conhecido o recuo de Bolsonaro em suas pretensões abertamente golpistas.

Do episódio restou a constatação de quão ‘firmes’ são as convicções democráticas do empresariado brasileiro – a julgar pelas instituições que os representam e respectivos dirigentes.

…com exceções brilhantes

No que, obviamente, há que considerar as exceções que sempre se destacaram da massa amorfa de negocistas pendurados nos favores do estado.

Nunca é demais exaltar o patriotismo e clarividência de líderes empresariais (e políticos) como Severo Gomes, Fernando Gasparian, José Midlin, Antônio Ermírio de Morais e na passagem de seu tempo para o nosso a quarta geração da família dona do grupo Votorantim, tempo em que também se destacam dirigentes atuais, dinâmicos como Oded Grajew e, benvinda lufada de modernidade nesta quadra infausta, a corajosa Luísa Trajano.

Renovação necessária

Quem sabe? seus exemplos frutifiquem e a gente ainda possa contar, talvez já na próxima geração, com posicionamentos políticos de uma hierarquia empresarial atualizada, digna do porte e das necessidades de renovação da economia brasileira.

Calma!, leitora

– Afinal apanhei-te, velho escriba – invectiva-me Marie-Claire Taunay sobre minhas conjeturas na coluna de 18.09:

Então você reconhece que o impeachment de Dilma foi um erro?

Calma!, leitora, eu não disse isso. Só opinei sobre o trauma inerente a tais processos, entretanto às vezes inevitáveis e constatei a participação do vice-presidente magoado com a irrelevância a que foi confinado por Dilma e sua turma.

No mais, parece-me inoportuno discutir o quanto o último (até agora) governo petista terá contribuído para a própria debacle.

Pátria e dever

“O patriotismo é último refúgio do canalha”, percebeu o literato inglês Samuel Johnson (1709 –84), um impenitente conservador. Ruy Barbosa glosou a frase, se não com iguais múnus e efeito, em similar dureza:

“Patriotismo é palavrão que enche a boca deixando, muitas vezes, o coração vazio; prefiro as duas sílabas menos retumbantes da palavra dever.”

Expressos com incomum contundência em lugares e momentos diversos, os coincidentes conceitos parecem-me oportunos nesta quadra em que a palavra – o “palavrão” de Ruy – é desgastada e malversada.

Não vai dar certo

Em louvável intenção de contrapor-se a Donald Trump e todo o horror que encarna e representa, o presidente dos Estados Unidos prometeu rever a política de controle da imigração e suprimir a crueldade repressora do antecessor.

Não está cumprindo a promessa e tudo indica que não haverá de cumpri-la.

A onda avassaladora de migrantes seguirá a pressionar os mecanismos de contenção e não será possível contê-la se não forem consideradas as causas do fenômeno: as persistentes pobreza e miséria dos povos vizinhos, que induzem pobres e miseráveis a buscar nos Estados Unidos, mesmo ilegalmente, oportunidade de sobreviver e talvez prosperar.

O que dá certo

Eleito sob a égide da mudança e contraponto ao horror de Trump – aquela avantesma –, Joe Biden haveria de dar consequência a seu projeto com a destinação da maior parte dos bilhões de dólares que os Eua gastam anualmente no controle da imigração, acrescidos de muitos mais bilhões, para assistir e resgatar da miséria os haitianos, hondurenhos e demais povos que engrossam os fluxos migratórios.

Outros tantos bilhões poderia gerar, indiretamente, mediante políticas equalizadoras das relações comerciais que revertam os injustos termos atuais, de molde a ensejar o desenvolvimento e progresso social nas regiões emissoras dos fluxos migratórios.

Disputas hegemônicas

Mas os Estados Unidos de Biden ou Trump como antes sob Obama, Bush, Clinton não parecem dispostos a missões redentoras. Estão mais preocupados com o avanço do poder chinês, econômico e político, em vãs tentativas de deter-lhe a inexorável marcha rumo ao topo.

Foi assim que em seu tempo Trump ofendeu e humilhou os aliados europeus e agora Biden desfeiteia a França, o mais antigo aliado dos Eua, sabotando-lhe um acordo de cooperação militar com a Austrália, em função das disputas com a China pela hegemonia na região.

Sem imaginação

Ainda sobre os Estados Unidos da América, lembro um fenômeno lateral mas significativo em sua evolução: os ‘pais fundadores’ deixaram aos pósteros um admirável legado mas não tiveram imaginação para dar um nome à nação.

O resultado foi que os sucessores simplificaram a denominação e passaram a chamar ‘América’ o seu país e ‘americanos’ a si próprios.

Nada contra a escassa criatividade estadunidense, não fosse a apropriação indevida de nome e gentílico que nos pertence a todos – dos inuits da Groenlândia, Labrador, Terra Nova aos fueginos d’além Estreito de Magalhães, passando por mexicanos, costarriquenhos, cubanos, panamenses, surinameses, paraguaios, argentinos… e brasileiros.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])