POLÍTICA

Imunidade, foro e perdão a acusados: as diferenças do tratamento dado aos atos do 8/1 e à invasão ao Capitólio

15 de setembro, 2025 | Por: Agência O Globo

Condenação de Bolsonaro pelo STF simboliza como Brasil tem sido mais eficiente em punir tentativa de golpe do que os EUA

A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete ex-integrantes do governo que faziam parte do chamado “núcleo central” da trama golpista evidenciou o abismo existente entre o tratamento dado pelo Brasil e pelos Estados Unidos com episódios semelhantes. Em 6 de janeiro de 2021, uma turba de manifestantes invadiu o Capitólio, sede do Congresso americano, pedindo um golpe a favor de Donald Trump. Quase dois anos depois, foram bolsonaristas quem depredaram as sedes dos Poderes em Brasília para defender a permanência de Bolsonaro no poder.

As invasões marcaram o ápice de um longo processo que incluiu, nos dois países, alegação de fraudes nas eleições. O que começou praticamente da mesma forma, entretanto, teve finais praticamente opostos: na última quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a condenação de Bolsonaro. No mesmo dia, Trump, da Casa Branca, para onde voltou vitorioso no início deste ano, resumia os caminhos divergentes dos dois atos golpistas:

— É muito parecido com o que tentaram fazer comigo, mas não conseguiram — afirmou o presidente americano.

Com algumas diferenças, tanto o Brasil quanto os Estados Unidos investigaram e condenaram os executores do crime, isto é, o grupo que invadiu e depredou prédios públicos. Aqui, foram cerca de 1,4 mil presos, incluindo aqueles que estavam acampados em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília. Nos EUA, foi apresentado número similar de acusações, 1,5 mil, de acordo com dados da “NPR”.

No país norte-americano, de todos os 1,5 mil acusados, mais de 1.000 admitiram a culpa durante o julgamento. Em média, 64% dos que foram sentenciados receberam tempo de prisão e a mediana das penas foi de 240 dias (ou seja, metade teve penas menores que 240 dias e metade teve penas maiores que isso), segundo o banco de dados da NPR.

Já no Brasil, até agosto deste ano, já foram responsabilizadas 1,1 mil pessoas pelos atos antidemocráticos. Desse grupo, 638 pessoas foram julgadas e condenadas e outras 552 fizeram acordo de não persecução penal com o Ministério Público Federal, admitiram seus crimes, e nem sequer foram a julgamento. Até agosto deste ano, entre as pessoas envolvidas no atos, pouco mais de 10% ainda estava na prisão: 112 cumprem prisão definitiva e outras 29 estavam presas preventivamente. Outras 44 estão em prisão domiciliar.

Apesar dos números similares, o caminho para a condenação foi diferente nos dois países: nos Estados Unidos, os casos foram remetidos para a primeira instância, enquanto no Brasil, os julgamentos estão ocorrendo no Supremo. A decisão no Brasil, contestada pelas defesas dos réus, permitiu uma análise mais célere dos casos: conforme o GLOBO já mostrou, a primeira condenação ligada ao 6 de janeiro nos Estados Unidos ocorreu 412 após o evento, quando Guy Welley Reffitt foi considerado culpado. No Brasil, a primeira sentença ocorreu passados 249 dias.

EUA não julgou Trump

Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, o Congresso investigou os atos golpistas: no Brasil, foi criada uma CPI e, nos Estados Unidos, um Comitê. Por aqui, Bolsonaro terminou como um dos indiciados no relatório final do documento. O mesmo aconteceu com Trump nos Estados Unidos: ele foi apontado no relatório dos deputados como “causa central” do ataque e, em dezembro de 2022, seu nome foi enviado para o Departamento de Justiça com a recomendação de que fosse investigado por quatro crimes.

O departamento de Justiça, em 2023, chegou a acusar formalmente Donald Trump dos crimes, mas o caso não seguiu em frente: enquanto o processo andava, a Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos discutiu e decidiu a favor da imunidade a todos os presidentes por atos realizados no cargo, o que inviabilizou sua possibilidade de julgamento e, por óbvio, condenação. Em 2024, Trump concorreu e venceu as eleições de 2024 e os procuradores ligados ao caso encerraram o processo, já que a legislação americana também proíbe a acusação de um presidente em exercício.

O relatório do Departamento de Justiça afirmava que as provas seriam suficientes para sustentar uma condenação de Trump em julgamento mas, ao contrário do que aconteceu com Bolsonaro, isso nunca aconteceu.

Para Fábio de Sá e Silva, professor na Universidade de Oklahoma e vice-presidente da BRASA (Associação de Estudos Brasileiros), um dos motivos que justificam a divergência é a forma diversa como o sistema judicial evoluiu no Brasil e nos Estados Unidos, sobretudo em relação à figura da Presidência.

— Por um lado, o Brasil foi ampliando o papel do Judiciário e Ministério Público no controle de condutas de mandatários. Já nos EUA, foi se construindo uma ideia de superpresidência, refletida, por exemplo, na recente decisão da Suprema Corte que concede ampla imunidade a ex-presidentes por atos de ofício — afirma.

Não por acaso, no Brasil, quatro ex-presidente já foram presos: Lula, Jair Bolsonaro, Michel Temer e Fernando Collor já foram, em algum momento, privados de liberdade. Outro ponto destacado por Silva se relaciona à própria diferença na legislação entre os dois países. No Brasil, há dois dispositivos específicos para a tentativa de golpe de Estado. O professor destaca que, em razão que o uso de discursos como parte das provas, como a redação de minutas, pôde ser utilizado no julgamento no Brasil, o que provavelmente não aconteceria nos Estados Unidos, onde há uma tradição constitucional de valorização à liberdade de expressão mais ampla.

— Mas não há dúvida de que, no Brasil, a decisão tem imenso significado para o fortalecimento da democracia. É a primeira vez que punimos quem tentou dar um golpe e, em especial, que punimos altos oficiais das Forças Armadas por isso — afirmou.

Trump deu perdão a invasores

Logo após assumir a Presidência novamente, Trump concedeu um perdão “total, completo e incondicional” aos 1,4 mil acusados, com exceção de 14 pessoas que foram acusadas de crimes graves — para eles, a pena foi perdoada, mas o registro da condenação permanecerá em suas fichas.

A decisão de Trump compartilha da mesma tese defendida pela oposição no Brasil, que transformou a anistia em sua principal bandeira no Congresso Nacional. Nas últimas semanas, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, apontado como um possível candidato da direita nas eleições de 2026 começou a defender de forma mais aberta a possibilidade de um perdão aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro e, agora também ao ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão.


BS20250915080615.1 – https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/09/15/imunidade-foro-e-perdao-a-acusados-as-diferencas-do-tratamento-dado-aos-atos-do-81-e-a-invasao-ao-capitolio.ghtml

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